segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Ternura

O cabelo que afagas
Com um pente de dedos
É ternura líquida
Que se evapora ao sol ardente.

Os beijos que trocamos
São papoilas nos campos,
Delicados e ardentes.

E quando nos unimos,
Loucos de desejo
É como uma dança de um lençol solto ao vento

Fumo um cigarro
E o fumo desenha as tuas formas pelo ar.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

O que Resta


Não há nada que nos una,
Nem o teu sorriso,
Nem o teu colo.

Na tua coxa, no teu peito
Há uma urgência,
Um grito de sabor passageiro.

Não nos pertencemos,
Foste feita para coisas distantes e remotas
E eu sou já um sonho reminescente de longa data.

Relógios perdidos,
Agasalhos que estorvam os gestos,
Miragens turvas,
Espelhos estilhaçados pelo tempo.

Sobre a tua sombra,
Uma fotografia nossa num jardim de saudade.

Cântico à Noite


Quero á noite dizer
O que me for permitido dizer.
Porque a noite tem um secreto íntimo
E só ouve quem quer ouvir.

Mesmo assim te digo
Que de ti todos os dias me despeço
Por desaires do espírito e da saudade.
E sei que não me amas como amas a lua e as estrelas,
Tu que és ritual de passagem e de marginalidade.

Sei que vou, no futuro, rezar de mãos postas
Que a tua luz matinal venha todos os dias florir no meu coração
E eu invente uma nova melodia aos pássaros.

Noite, vem adormecer-me nos teus longos braços
E embalar-me em noites de apaziguamento
Que eu o fio do horizonte já perdi
E só do luar colho a tua luz com que ilumino a minha alma.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

As Noites

Hei-de para sempre recordar
O que me soubeste dar.
Os momentos menos conseguidos
Apaguei-os com a borracha dos tempos...
E insanos fomos,
Irresponsáveis e fúteis éramos.
Mas ao olharmos à nossa volta
Não havia descontentamento,
Tudo era desmedido,
Como as noites
Que eram feitas de ramos soltos de arvores,
Em pleno Inverno,
Que se movem aos agitados ventos das tempestades.

A Barbárie

A serpente do desejo,
Essa que nos tolha a esperança,
Não consigo resistir-lhe por muito tempo,
E algum tempo hei de repousar
O meu corpo em alguma terra fétida
Onde searas são colhidas
Por eternos lavradores dos dias
Na urgência de regressar ao pó.
Hei-de para sempre reviver
Momentos de orquestras
Que são festas e orgulhos íntimos,
E, quando chegar a altura,
Sei que me esperam braços
De ternura que se transforma
Em beleza.
E pais que por sua vez
Esqueceram que são filhos,
E os nobres suicidas hão-de ser sempre
Lembrados na suas lentas ignorâncias
De paganismo atroz.
E paro, por vezes paro e medito na insana manhã de vento
Em que os senhores semearam o horror
Na Terra e onde morreram inocentes
Que não sonhavam na barbárie que lhes aconteceu.

Realizado

Da minha boca desprende-se um enorme bocejo,
Horas de tédio de puro aborrecer.
Tenho fome de desejo,
Há um vazio por preencher.

A monotonia é triste sorte
De estar no abismo a olhar para a morte,
Ousar a aventura, o sal dos dias,
Do divertimento não poupar economias.

Tudo se repete,
Até eu em mim,
Quero fugir ao fastidioso frete,
Fazer da vida um festim.

E chegar ao fim completo,
Sentir-me realizado.
Não sentir esta coisa que me deixa inquieto
E por fim dormir um sono imaculado.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Esquecer

Um Senhor entra apressadamente no café,
As mãos tremem e para acalmar o vício pede uma aguardente.
O seu nome é Josué
E bebe sempre até ficar inconsciente.

Trabalha em construção civil,
É servente de pedreiro,
Enquanto não bebe um copo sente-se febril
E assim gasta todo o seu dinheiro.

Não é casado e vive com a mãe
Que lhe dá conselhos de pouca serventia
Ele ouve com desdém,
Mas ela é a sua companhia.

Josué bebe para esquecer
Dos maus tempos que o fizeram sofrer.
Bebe para não pensar no vício da heroína e cocaína
Que em tempos foram a sua maior ruína.

Até o Dia Escurecer

Mostra-me o sonho da Primavera a florir,
Eu sou teu amante até o dia escurecer.
Sou tela por colorir
De um dia sem horas,
De madrugada até anoitecer.

De dia dou-te tudo o que a imaginação pedir,
Doces beijos, ternura, calor.
Tudo até o dia luzir,
Os nossos corpos unidos em intenso ardor.

A noite é má confidente,
A noite foi feita para dormir.
De dia, sem a luz das velas, é suficiente,
Dar-te-ei o meu corpo adolescente a florir.

O teu cabelo solto ao vento
Tal como o meu sentimento
De amantes livres no nosso namoramento.

O Pedinte


Ah, tivesse eu dinheiro e não vivesse neste dissabor
E não precisasse de pedir com uma boina no chão,
Se por obras do destino fosse adivinhador
E os números dos jogos soubesse a previsão.

Não me humilharia a pedir trocados
Às gentes que de mim têm compaixão,
E não vivesse os dias como feriados
E a tudo pudesse pôr travão.

A crise nota-se até nas esmolas,
Na porta da igreja em que estou as pessoas passam ligeiras
Como miúdos que vão para as suas escolas,
São como da fé prisioneiras.

Eu só peço o básico, uma pobre moeda,
Não peço muito,
Mas de mim ninguém se apieda
E quando me dão algo, digo obrigado, que é gratuito.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

A Herança

A ganância de uma herança
Em que houve enganos e palavras tontas,
Semeou a fútil desconfiança
E das contas gerou-se ignorantes afrontas.

A morte não deu muito destaque,
Apesar de se ter suicidado sem causa aparente.
A tónica foi dada ao incerto desfalque
E foi falso, houve quem dissesse que era um delinquente.

A ambição pelo dinheiro salivava na boca dos caluniadores
E houve acusações e ofensas à integridade moral,
E os inocentes foram julgados pelos difamadores,
A desconfiança foi geral.

Nunca admitiram que erraram nos juízos de moral
E inventaram histórias
E houve casos de rumor
E apesar de as contas se terem acertado ficou a família sem qualquer valor.

Neblina na Praia


O Sol está abrasador e eu quero ver o mar,
O mesmo mar que via quando era pequeno.
Estender a toalha na areia e ficar quieto a olhar
A magnificência do mesmo oceano ameno.

A tranquilidade traz paz de espírito
E eu tenho o meu tão em ruínas,
Por vezes grito calado a minha dor, aflito,
E o Sol vai-se embora e traz cinzentas neblinas.

Dia após dia, há uma letargia do sentir
Que me deixa prostrado e desanimado
E não há ninguém para descobrir,
Sinto-me esquecido e abandonado.

Mas eu vim ver o mar e, mesmo frio, mergulho.
Corro, molhado para a toalha na areia.
Ao longe ouço das ondas o barulho
E fico a cismar em uma qualquer ideia.

O que Quero

Quero mostrar a todos o quanto posso ser generoso
E por isso delicadamente na escrita me exponho.
Quero que me leiam e que me achem algum mérito,
Talentoso?
Evito ser poeta enfadonho.

Prometo não ser pessimista ou depressivo,
Se o sou, por vezes, é porque deveras o sinto,
Vou ser mais afectuoso e abrasivo
E talvez mais íntegro.

Por vezes viver numa grande cidade
Deixa-nos secretos e reservados,
E não é justo viver a inexpressiva nulidade
De andarmos tristes e por dentro quebrados.

Assim, vou cantar à lua uma canção de luz,
Vou viajar de comboio e ouvir os carris chiarem quando travam,
Seguir os ensinamentos de Jesus,
E não seguir a via da mortificação.

O Pensamento


O taxista passa os dias a guiar,
Tem sempre conversa para quem quiser prosear,
Liga o rádio na frequência dos fados
E ouve a Amália Rodrigues em cânticos desfiados.

O engraxador, no Rossio,
Os sapatos dos clientes põe a brilhar,
Faz contas á vida, pois deve dinheiro ao seu senhorio.
Engraxa os sapatos e pensa no que a mulher em casa estará a cozinhar.

O homem estátua passa horas estático,
As pessoas passam por ele e ficam a imaginar no que ele estará a pensar.
Eu também na cama parado fico
Em horas de tédio a olhar para o tecto e em enredos poético a congeminar.

"Penso, logo existo", como diz Descartes.
A comunicação do pensamento, o sorriso das crianças,
O quadro que vi numa galeria é pensamento transformado em arte.

Amigos


Ainda lembro a tua cara morena,
O teu cabelo e as expressões que fazias,
A tua estatura pequena,
E das brincadeiras parvas que rias.

Contigo os dias encurtavam,
As noites eram lentas,
Tudo era motivo de conversa.
Contigo no Norte e eu em Lisboa tínhamos as nossas tormentas.

Havia a magia da simplicidade quando nos encontrávamos
E juntos nos beijávamos.
Acabámos sem zangas e cada um seguiu o seu rumo,
Continuámos amigos, cada um com o seu futuro.

E é sempre um conforto ver-te de novo.
Ao ver-te a aldeia fica deserta, sem povo,
Eu, distante e sorumbático rendo-me ao teu sorriso
E contigo os meus fantasmas exorcizo.

Diário


São sete da manhã, já é dia,
As pessoas apressadas andam para chegar aos empregos a horas,
Eu tenho o emprego da sabedoria,
De transformar as palavras em rimas sonoras.

Não tenho salário, nem patrão,
A escrita é uma paixão.
Admiro quem passa nove horas num escritório,
E depois para casa vem, para o dormitório.

Não têm expressão nas caras,
Muito sérios e carrancudos,
Ganham dinheiro que é como para o agricultor a sua seara,
Têm marido ou mulher e filhos.

Eu tenho o ponteiro dos minutos, das horas que passam,
Tenho a chuva, o sol e o frio,
Ouço a minha oração dos dias, a minha canção.
Uma leve melodia assobio.

Sobrevivente


Na estrada da imaginação já me perdi,
Deixei que o ambiente tomasse conta de mim,
Deixei que pessoas me ferissem e sucumbi.
Tudo não passou de circunstância ruim.

Já estive muito doente,
Mas curei-me, segui em frente,
Não soube os anos aproveitar,
Quantos anos vivi como naufrago em frente ao mar.

Mas apesar do sarro da vida
Aprendi e curei a minha ferida,
Sou sobrevivente de maus tempos,
Mas ainda poderei viver bons momentos.

O Autocarro


Gosto de autocarros, de ver gente a sair e a entrar,
Do senhor que se levanta para a senhora idosa se sentar.
Gosto da diversidade de raças,
De sentir o calor humano das massas.

E apanho o autocarro e passeio,
Vou percorrendo Lisboa vendo pela vidraça a paisagem,
E se o autocarro muito tempo demora logo vem o meu anseio,
Mas quando vou de onde vivo até ao centro da cidade aprecio a viagem.

Também há o metropolitano,
Mas não gosto de lugares fechados, com janelas para o cinzento,
Gosto de me sentar num lugar e ficar como comum soberano,
Sento-me e fico a apreciar o fugaz momento.

O Senhor Doutor


O Senhor Doutor gosta de ser assim tratado,
Só Senhor é pouco para o seu vocabulário.
Toda a gente na repartição o trata por Senhor doutor Augusto,
Sou colega desse senhor e às vezes ouço conversas sobre ele e escuto.

O Senhor Doutor Augusto tem um anel de comprometido,
Alguns colegas já viram a rapariga, bela moça,
Mas o Augusto que é doutor é muito feio e descaído,
E todos dele fazem troça.

A rapariga tem a quarta classe e trabalha numa escola como contina,
Mora numas águas furtadas de um prédio e trata o seu noivo por Senhor doutor,
Mas o Augusto é muito sovina,
Nem lhe compra uma flor.

A noiva quando o beija faz cara feia,
O noivo está completamente apaixonado,
Quer pedi-la em casamento no teatro, na plateia.
Surge o momento e pede, mas ela recusa, está apaixonada por um soldado.

A Felicidade


Prometo que te serei fiel,
Não queiras saber o abecê
E se chorares dou-te um lenço de papel.

Não queiras saber o final,
O suspence é o que faz alimentar a ilusão,
Prometo ser imparcial,
Mas sou adepto da abstracção.

Não me perguntes se sou feliz,
A felicidade é um conceito muito abrangente,
Sou eterno aprendiz,
A felicidade é imortal e omnipotente.

Não me perguntes como estou,
Às vezes a raiva flui como fel,
Outras vezes sou tempestade que amainou
E às vezes sou como folha branca de papel.


Reconstrói


Este sentimento que permanece
Que manchou com nódoas o meu casaco
Foi como me dessem um maço de tabaco
Para eu fumar e ver a cinza a desvanecer-se.

Acordo de manhã,
Faço a barba ao espelho,
O rosto vincado, vermelho,
Visto a minha camisa azul marinho
E vou pela rua do suor do destino.

Vou delirante e ensimesmado,
Tomo o meu café para ficar acordado.
Planejo, construo mapas mentais
E não me importo com a minha sorte,
O que não mata deixa mais forte.

E o dia é para ser vivido em pleno,
Pintar os muros e as ruas de vários tons,
E colher os frutos bons.
Separar o trigo do joio,
E o que estragares reconstrói.

domingo, 17 de julho de 2011

A Prostituta

A Nádia é uma mulher da vida.
De noite vai engatar para o Intendente.
Para alguns é uma mulher de alma perdida,
Mas ela não liga, é uma profissional,
Tanto vai com um velho como com um adolescente.
Tem 45 anos e nunca esteve em nenhum estabelecimento prisional.

Nádia tem um homem que cuida de si, é o seu amante,
Garante a sua segurança e fica com uma percentagem do dinheiro.
É um homem alto, encorpado, galante,
Vive com ela e é galo do seu poleiro.

Passa as noites na rua ou em bares
E lá engata um tarado ou um homem casado,
Mas o que ela prefere são militares,
Avia o freguês e ele vai para casa mais aliviado.

O Suicídio

O senhor Jacinto é um homem sem emprego,
É casado com a Dona Marta que não pode trabalhar porque tem dois filhos pequenos,
Vive do rendimento da Segurança Social e para pagar as suas contas é um desassossego.
Vai cultivando umas verduras e árvores de frutos nos seus terrenos.

A mulher sofre de depressão pós parto.
O homem é quem trata dos dois filhos pequeninos.
O Senhor Jacinto é mãe, pai e enfermeiro e diz que está farto.
A Dona Marta pergunta: "Qual vai ser o nosso destino?"

A pensão da Segurança Social não dá para tudo
E o Senhor Jacinto esforça-se por arranjar emprego, mas já tem uma certa idade,
Insiste com a mulher para ficar bem de saúde e que retome o estudo,
Mas a Dona Marta está muito doente, é um grave problema de insanidade.

Certo dia o Senhor Jacinto depara-se com a sua mulher morta,
Chama a ambulância, mas já nada há a fazer, morreu de overdose de comprimidos,
Diz a todos que foi o Diabo que lhes veio bater à porta.
Nos dias seguintes deu os filhos pequenos para adopção e ficou a viver
da parca pensão e dos terreno.
Os filhos e a mulher nunca foram esquecidos.

O Gato Maltês


Anda o sapo no charco a nadar,

A cegonha vai passeando.

O camponês anda no campo a sachar,

Enquanto o gato da velha senhora o vai observando.


O sapo coaxa no seu charco,

A cegonha bate com o bico fazendo barulho,

O camponês grita porque o almoço é parco,

O gato mia à velha senhora, ele é o seu orgulho.


O gato maltês é carinhoso, chama-se Pompom,

A Dona Inês trata-o como se um filho tratasse,

E o gato responde com um rom-rom.

A velha senhora é uma octogenária com posses e com a sua classe.


O gato, no seu instinto, rouba a comida ao camponês.

O pobre homem ao ver o saque vai atrás do gato para o bater.

A Dona Inês ao ver a caricata cena, abre a porta ao gato maltês.

O camponês ralha com a velha senhora porque o seu almoço o gato fez desaparecer.


"Mas todos os problemas têm solução", diz a senhora,

"Entre, sente-se e coma comigo um almoço que preparei e dá para duas pessoas",

O camponês, então, responde: "Aceito de bom grado, senhora Doutora".

A dona Inês serviu amêijoas à bulhão pato e o camponês depois de almoçar, retorquiu: "estavam muito boas".

O Nascimento


O ambiente é de Verão ensolarado.
O pai do filho que vai nascer bebe copos de vinho tinto na taberna,
Faz nove meses que é casado.
A mulher em casa afaga a barriga materna.

O pai bebe e sonha com um filho que lhe siga as pisadas,
Vai aprender o ofício de ferreiro tal como o seu pai o ensinou.
A mãe, grávida de oito meses e meio, faz malha para juntar ao enxoval de roupas dadas.
O pai, Gaspar, deixou a taberna e a casa chegou.

A mulher, Magda, já tem o jantar na mesa,
O Gaspar pergunta a Magda se sente bem,
A mulher diz que sim, na sua subtileza,
De repente sente que vai ter o filho e o marido fica num vai-vem.

Chamam as parteiras e todos vêm ver,
O Gaspar espera na sala pelo nascimento do seu filho,
Num instante ouve o chorar, o pai vai vê-lo e todo ele é um envaidecer,
Decidem que se vai chamar Gaspar, tal como o pai, e nos seus olhos nasceu um novo brilho.

Cântico do Desespero


Este é um cântico do desespero, do sórdido, do ultrage,
Pois eu não sei quem sou ou o que faço.
Sou um ser que não reage
Preso que estou no meu ilusório cansaço.

Perdido na imensidão do mundo
Vagabundo,
Porque não sou um mortal comum?
Chego à conclusão que sou mais um rodeado de milhões de pessoas.

Agora que vejo as outras pessoas pela janela do mundo
Perco a fala e o ouvir,
Sou sempre o que chega em segundo,
Deixei-me pelo delírio possuir.

Em pleno Verão tenho frio de me sentir carente,
Tenho a angústia de ter o aparente como companheiro de alma.
Se ao menos fosse consistente...
Vivo as horas e dias com uma sórdida calma.

Não há flores no meu caminho, só pó de estrada e chuva.
Só ouço ruídos, sons desconexos sem sentido,
Como pessoa com miopia que vê tudo turvo,
Pelo tempo abatido.
Acabei por ceder ao tempo, esse substantivo que tem uma imensa força,
Pois o calendário é ditado com o nascimento de Cristo.
O meu tempo é fuga aos tigres pela corça,
O meu calendário é um mero registo.


Desejo

Não quero ler o jornal diário,
As notícias do desespero,
O meu corpo pede o extraordinário,
Quero viver o destempero.

Descansar à beira mar,
Apanhar banhos de sol,
Quero o trivial, poder alguém abraçar,
Ouvir o cantar do rouxinol.

Conhecer árvores, plantas, matos, florestas,
Novos países, novas fronteiras, outros horizontes,
Dançar, cantar, rir, ir a festas
Quero, em mim, limar arestas.

Esquecer telemóveis, televisão, publicidade
Computadores, autocarros, o bulício da cidade,
Ver folclore, ir a romarias e festas de aldeia,
Ver o rio, o oceano e banhar-me na maré-cheia.

A Dança

Sons de bombos ritmados com cadência,
Vozes negras cantando versos de magia,
Dançando nas miragens da inconsistência,
Serpenteando as coxas e as mãos em sintonia,
Inconsciente ia eu ao som da melodia.

A abundância de corpos que se abanavam,
As luzes a piscar nas suas ambivalências,
Os espelhos reflectiam imagens de deformação,
A pista de dança era um circulo de aparências.

Olhos esbugalhados, carnes que se abanam,
Música rouca e húmida que os ouvidos escutam,
A dança assemelha-se a uma luta,
Há gestos, mãos, pernas que se degladiam.

Uns observam, outros fazem da dança a sua canção.
Há decotes ousados, mãos que tocam,
Há bebida a jorros, amantes perdidos,
Eu calmo e sereno continuo na minha dança de infeliz solidão.


A Missa

Domingo, fui à missa,
Não por me sentir obrigado,
Apenas dos meus pecados desejei a minha remissa.
Uma voz houve que me guiou e eu assim fui, motivado.

Senti-me parte da comunidade,
Olhei com respeito a igreja e as imagens sagradas,
Saudei os presentes com espiritualidade,
No final tomei a hóstia.

Senti um desejo de me unir a Deus no mistério da fé.
O corpo de Cristo representado naquele pequeno pedaço de massa,
Que de bom agrado no meu espírito recebi
E senti-me honrado e estimado por Deus.

Senti-me não como um ser superior,
Mas um devoto.
Com o secreto dever cumprido
Fui para casa e senti-me protegido.

Dicotomia


Não tenho o condão de me descrever,
Se tento, não me sinto identificado.
Não sei qualificar o meu sofrer
Pois num dia tenho asas e sei voar e noutros sou ser flagelado.

Olho a imensa paisagem e tento descrever o que vejo,
Mas faltam-me palavras, não sou ser contemplativo.
Se sei voar, por vezes também rastejo,
Intenso e grandioso e outras vezes depressivo.

Há como que uma dicotomia no meu ser,
Sou tímido e reservado mas ousado e excêntrico também.
Apagado, a mitigar uma dor ou centelha a arder,
Dou-me generoso às pessoas, mas, por vezes, dou o meu desdém.

Há uma força incutida no meu peito
Que tem tristeza, desolação e gargalhadas e sorrisos vários,
Com estes vou vivendo a meu jeito,
São conceitos, verdades, ideias que resistem no meu calvário.


sábado, 16 de julho de 2011

O poema

Quando se escreve um sentido poema
Transpira o suave aroma de alfazema.
O verso é o sal e a pimenta dos dias
Que faz degustar as estrofes como apuradas iguarias .

O poeta com parcas palavras transmite o sublime,
E não estando presente, conta-nos coisas da sua alma,
Faz com que o prazer ou sofrer rime,
O seu pensamento é oração, conversa, tranquilidade e calma.

O poema, soneto ou canção
Embalam docemente os nossos sentimentos
E, mesmo que nos sintamos doentes, esse momento é são.
As nossas mágoas, doenças do coração sofrem um fortalecimento.

O poema é infinito tal como Deus,
Tem um espírito que fala com entidades terrestres e divinas.
Os poemas não pertencem a ninguém, são meus e teus,
Têm o som de jornal na voz matinal de ardina.

A Mulher

No jardim do sonho
Sou amante,
Um raio de luz vem-me acordar,
De olhos semicerrados vejo uma forma ao longe,
É uma linda mulher.

Caminho para a figura.
Cada vez mais longe estou.
A luz tornou-se escura,
Mas ainda vejo a bonita mulher no dia que ainda não findou.

Caminho a passos largos,
Quero alcançá-la.
Tenho a vaga noção que ela pode ser a mulher da minha vida,
Com ela a vida torna-se-ia mais comprida.
E eu sem luz que me alumie,
Corro para chegar mais perto.
Ofegante e a transpirar
Não olho para trás,
Tenho um longo caminho a trilhar.

Quando vou finalmente conhecer tal figura
Um demónio me aparece
E diz-me que como ela há muitas no mundo e que ainda não chegou a minha hora.
Blasfemo e digo: "vai te embora satanás!"
Mas a mulher ao ver-me
Foge sem deixar rasto.
No caminho está um bilhete que diz:
"O teu caminho é longo,
Cura as tuas mágoas, sara as tuas feridas,
Que quando o tempo chegar serei a tua prometida".

A Flor do meu Drama

A flor do meu drama
Surge quando visto pijama
Fico sem sono na cama
Com pensar nublado sem saber quem me ama.

Gostaria de viver um intenso amor,
Com cenas de sexo intenso,
Na minha face há um leve rubor.
Mas a minha timidez faz que tudo fique em suspenso.

Há pessoas que conseguem seduzir,
Conquistar a sua amada,
Eu amuo e esboço um sorrir,
Sem resposta, observo uma figura esbelta e calada.

A história de Romeu e Julieta é cúmulo de paixão
O amor que termina em morte.
Eu morto ando sem amor e sem solução,
A minha vida é um fado sem mágica sorte.

Longe vão os tempos de paixão louca
Uma carícia que durava uma eternidade
A ânsia fremente de beijar uma boca
Revivo tudo isto agora com uma sentida saudade.


Deixei de lado as ilusões passageiras do amor
O tédio e o peso da idade já não me dão calor
Visto o pijama, deito-me e embrulho-me no meu áspero cobertor.


sexta-feira, 15 de julho de 2011

Os Assassinos


Ainda lembro a noite do meu perecer,
Era noite, havia pessoas e cumplicidade no ar,
Eu, ausente e presente no meu mundo de cor neutra.
Aceitei o jogo cego que se me apresentou.
De um trago bebi de um copo o esquecimento e foi como um punhal dilacerasse a minha alma.
Bebi o veneno letal e depois houve rituais de folclore disfarçado de opulência, dançares e questionares do que é puro e sadio.
E questionaram o meu nome e disseram os deles como se renascesse ali uma nova identidade que perdi para sempre.
Depois houve enganos e frases tontas,
Ditos jocosos a humilhar a minha nova condição de ser alheio a tudo e todos.
Eu zonzo da música e da inocência que resvalava em som de zumbidos e cabelos soltos a dizerem que não e olhares distantes que se tornavam próximos...
Os nomes, quem sou eu?
Tudo num misto de nevoeiro denso.
Sentei-me perto de uma curva de estrada ficando a observar os carros que se afastavam...
A noite escura e eu lívido sem noção do que era noite e que havia estrelas e que havia céu...
Eles partiram eu fiquei a digerir o veneno que pouco a pouco foi fazendo subtilmente o seu efeito.
O desprezo, a humilhação, os dias que passavam e eu cada vez mais díspar da realidade.
Nesse dia chorei, lágrimas de dias e anos.
Foi a noite cruel dos assassinos.

Actor

Se eu desaparecesse para sempre
E não voltasse jamais,
Não sei, no presente, qual seria a minha reacção.
A existência,
O que eu sou e fui, numa cova aberta no chão.
E acabasse causa e efeito,
A aniquilação dos sentimentos,
Só carne morta,
O tempo e espaço sem contexto.
Nada, só a saudade e pesar aos restantes.

No presente,
Desejo o irrealizável, o bem estar,
O sono tranquilo e o leve acordar,
E com pássaros esvoaçantes, perto da janela, a chilrear.

A letargia dos dias é algo que se assemelha à morte física.
O mesmo deixar ir, o corpo vai, a mente acompanha,
Mas o que a mente pede o corpo não pode dar.

Quero que o espectáculo acabe,
Que se feche o pano,
E que se acabem as palmas,
Que vá tudo para casa,
Para os seus mundos de fantasia e cor,
Que eu não tenho nada a mostrar ou a dizer.
E eu acabe de vez o teatro,
A estúpida performance de divagação diletante
Em que sou actor sem pose ou amor próprio.

O teatro não é mau mas não me pertence
O actor que mostra gestos e palavras não sou eu,
O encenador não me soube representar,
E eu sempre à deriva hei-de ficar...

De que serve a arte quando tudo é pó e opaco?
Fica a sensação de desperdício,
Pois o belo não o é quando cá dentro tudo é solidão,
Sentimento que não obedece,
O riso desfalece,
O sonho desaparece.

Resta uma pessoa sem adereços,
Nu e sem nada a dizer,
Num espectáculo esgotado e ansioso por risos e choros.

Envergonhado, digo que não há espectáculo,
A medo digo que tudo não passa de uma fábula,
O actor sentiu-se mal e assim vai continuar,
Que saiam ordeiros para suas casas,
Que neste corpo geme a dor e não há qualquer sorriso,
Só permanecem a desilusão e o triste olvido.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

A Folha em Branco

O poeta olha a folha em branco,
Balbucia algumas palavras em som oco,
Finge sentimentos ardentes,
As mão imitam frases ao vento,
E sofre tanto para criar rimas e estrofes com sentimento.

De repente toda uma trama se constrói,
A amada que espera numa praia deserta pelo seu herói.
O Sol queima, a areia voa em círculos,
A amada que, na imaginação do poeta,
Tanto pode estar na praia como em outros sítios.

O poeta assim decide e o leitor obedece,
O leitor pode estar num ambiente de chuva e neve
Mas é o Sol da praia que o aquece.

A folha em branco vai acumulando sábios dizeres,
Rimas e métricas fervorosas.
O poeta guia o leitor nos seus literários prazeres
E é o seu momento de solidão que lhe dita frases ansiosas.

Mas a inspiração é traiçoeira,
A folha em branco, ao escrever-se,
Pode tornar-se vulgar e corriqueira.
O leitor passa para outra folha,
E a poesia que podia comover tanto
É ilusão, frustação e pobre canto.

A amada não sofre como devia,
O amado tem por ela um sentir sem suspence
E o poema que poderia ser arte e sabedoria
É apenas algo que não nos convence.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Sonhar

Sonhar o meu nome em dia de festa
É animar o convívio de eterna esperança.
Compôr uma melodia em tom romântico
É ser depois de tudo choro vazio,
Concerto circular sem orquestra.

Lágrima que escorre, lenço que limpa,
Pesada missão que me encaminha.
Visto a preceito o sobretudo,
Sou alguem que sofre o peso da virtude.

Alheio-me de corpo, esvazio o tempo.
Não sofrer? Fiéis ao ser?
A vida é o meu eterno lamento.

domingo, 1 de maio de 2011

Mãe

Mãe, todos os meus gritos são teus
E a todos tu os suavizas com um leve fechar de olhos.
És tu que todas as noites me aconchegas o cobertor e dizes: “dorme bem”,
Mesmo sem o fazer...

Mãe ainda sinto falta do teu colo
E o chorar do bebé do 6º andar do prédio sou eu.

Mãe, ainda sou eu que como a sopa toda por obediência,
E come todos os legumes, sem os pôr de lado no prato,
Foste tu que me ensinaste que há gente que sofre por nada ter.
Eu tenho o meu imenso amor por ti,
Materna carícia no meu mais saturado sofrer.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Dor

Quando perdi a percepção da vida, da idade, de mim pouco sobrou.
Ausência de tudo e restos de dor que se arrasta moendo levemente a sanidade que ficou...
Por vezes páro este som mudo da minha cabeça inútil para pensar e então pasmo e sofro muito e recupero e digo que não, não é tanto assim, amanhã pensarei doutra forma... mas acabo sempre por voltar a este pensar torturante que não é choro, não é físico, não é nada
Não sei, é sempre a conclusão a que chego, não me encontro, justifico.
Este tempo que passa nada é e eu nada sou.
Talvez tenha perdido o dom de me emocionar e assim encaro tudo como habituação mórbida.
Som roufenho entranhado nas células cinzentas da sociedade.

Prece

O sonho para ornamentar a fronte.
Leveza ensimesmada,
Um pouco que diga a justiça de ser feliz.
Querer avassalador de cumprir
O eterno ritual da renovação.

A conquista triunfante da virtude que reside em nós,
Faz mexer a intuição, o sentido, a vida.
Sofrer o ritual na pele, a fé move montanhas,
A solidão invade-me, dela não posso escapar.
Trago comigo a tranquilidade do sonho,
Comigo no eterno mistério da comunhão com Deus.

Deixo-me envolver em segredo no mundano,
Haste de espinhos, flor desfolhada,
Barba feita, roupa lavada,
Prece esquecida, por mim recordada.

Terço

Retrato imaculado,
Terço à luz de candeias desfiado,
A inocência de olhar matizado,
O sono destroçado.
Melancólica cadência,
O relógio do deserto.
O consolo em sofrimento.
A luz divina, por vezes, é subtil sombra,
Assim, como vitral em dia cinzento.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Poeta

A vida solta em eterna descoberta.
A espera,
O ouvir a voz,
O relógio do deserto.
Viver esparso.
Solidão,
Ruas, calçadas, travessas,
Figuras geométricas.
Ser a eterna juventude de alma de poeta.

Dispersos

O sorriso que indica tristeza,
A comédia encenada por um adeus.
Jogos intermináveis de cartas sem naipe.
O ponto que se engana na deixa de um actor.
Amantes murmurando sons de beijos cansados.
O signo a torturar um destino sem rumo.
Vozes de crianças adolescentes,
A ambição por um eu distante.

Estrada sem Rumo

Desloco-me num passo trôpego, cansado,
Ébrio de pensamentos e ilusões.
Passo após passo numa estrada longa, sem rumo.
Uma vida de obstáculos e provações.
Ao menos alguém parasse esta vontade de infinito.

Aproxima-se a noite dos silêncios distantes.
Dispo a minha roupa de herói ferido em combate
E fico só,
Refém de um sonho ausente.

Letras

Às vezes, apetece-me escrever letras soltas,
Só letras sem ordem nem contexto.
Tirar de vez o sentido ao mistério das palavras
E criar sequências ilógicas de um sentido que não existe.

sexta-feira, 25 de março de 2011

O Sono e o Sonho

O meu sono é feito de chuva de lágrimas do céu e da lua.
Os sonhos esquecidos são manhãs de nevoeiro,
A noite magnifica o ser em repouso triste e só.
Acordo de olhos enublados, cansados, nús de sentimento,
E o corpo lento, sonâmbulo...

sábado, 19 de março de 2011

Incertezas

Conversa ou convicção?
Uma ordem fora de contexto,
Um verso que não rima,
A crença num futuro próximo.

Detectives da mente sem resultados.
Sentenças pronunciadas com base no engano.
Os senhores das grandes palavras,
Ou os vultos que não deixam marcas confessáveis.

Salário, vencimento, contrato a prazo, desilusão,
Dicionário decassilábico de gente sem razão.

A Escrita

Poderia falar de cores, paisagens ou de situações,
Poderia teatrealizar-me em versos de fino recorte.
A escrita que me invade não obedece a rituais.

Posso falar da fé,
Posso falar porventura deste anseio que me persegue,
Posso falar de mim... Triste sorte.
Poderei falar ou não falar.
A escrita é livre e solta,
São letras soltas que comovem os olhos dos leitores.

O pensamento, a emoção das palavras.
O escritor encena-nos,
O escritor conta uma história ao leitor.

A escrita somos nós e o enredo,
Dizem horrores ou sofrimentos,
Dizem deste anseio que é o absurdo da nossa vida de trabalho,
Um quotidiano de trabalhar para viver,
Uma casa por amortizar ou uma criança a crescer.
A escrita faz-nos patetas ou tristes.
Eu sou a escrita do sentimento alheio, do momento que passa,
O entardecer ou amanhecer,
Sou o nocturno,a orquestra.
Sou o verso oculto maldito.
Ou talvez algo mais,
Ou talvez alguem com certa disposição por algo mais fácil,
Domingueiro como dita a tradição ancestral.
Escuto os conselhos dos outros e fico só,
Só e temente a Deus.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Reticências

Ilusões,
Sôfregas crenças,
Futuro feito de reticências.

O vazio de ser estatística derrotista
Numa mente cansada e saudosista.

Vou deambulando sem rumo certo
Apalpando, às cegas, por um caminho
Que me traga esperança e vontade
De seguir o meu misterioso destino.