sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Respiração

Ontem talvez sonhasse que hoje não se repetiria,
A manhã louca de me erguer derrotado, vencido,
A indiferença da hora, da calma,
Que faço eu aqui somente eu espelho de virtudes e interrogações
Esparso e sonâmbulo,
Arrastando símbolos, resolvendo equações,
E ouço canções,
Ouço canções de repetições,
A melodia na voz de um cantor,
Sugere, um timbre de sonho,
A irrealidade teatro das sombras em contraluz,
A velocidade é slow-motion,
Quando olho uma pomba voa,
Quando sufoco o que sinto um reclame chama a atenção,
Tragicamente esforço a psicologia das palavras,
Articulo o pensar em metafísica de qualquer coisa que respira nestas frases nuas,
A pele dos dias,
A ignorância da miragem,
A estátua que repousa em mim.

Imortalidade

Não me conformo,
A impaciência através de um copo transparente,
Vazio de imagens, cor,
É urgente o vício
De mil horas
Num cronómetro
Descompassado,
Corrida, planície,
Corro e não ando,
Estático no meu pensar,
Atropelo o real do eu,
Só eu me sei,
Todos somos o que ocultamos,
Pois o pensamento não tem som.
Talvez alimentamos electrodomésticos
E esquecemos de pensar,
Talvez haja a fuga à liberdade,
Somos o que não queremos,
Talvez autómatos,
Talvez o sonho é o alimento da alma
E morreremos até na ambição da imortalidade da alma.

Realidade, Um Segundo

De um copo de maresia se faz poesia,
O delicado ardor, embriagues e doçura,
As luzes ficam turvas como passos alcoolizados 
Na madrugada de regresso ao leito que nos espera.
É lenta esta agonia maníaca de minha alma
Errante em busca de limites na imensidão de sombras.
Não deixo o encontro de ansiedades me detenha,
São todos estes dias como vertigem de enganos no céu azul, intenso.
A tua honestidade e desembaraço despi anos atrás nesta memória de calma,
Descalcei a emoção, fiquei descalço, nulo.
Andei muitos anos, procurei a sanidade entre barulhos,
Sons toscos de uma vitrola num quarto de cidade,
A mulher desce timidamente a saia,
Arranjando-se, alindando-se,
Embaraçada por olhares dos homens já de voz solta
Nas mãos com uma garrafa de cerveja.
Quando desci as escadas do vício,
A realidade foi um segundo apenas,
Um luto ou um traje.

Um dia

O exame de luz,
A radiografia do olhar na penumbra da noite
Fez cem anos, neste momento, na minha mente
E é uma imagem parada o cinema da memória sagrada.
No mundo há uma mão segurando uma flor
Neste câmbio de amor que seguro e entrego desfolhando 
A indefinida estação de amor no ritual cego
Que acompanho nesta carência de palavras de não sobrar nada,
Apenas as pétalas perfumadas no cálido beijo 
Que deixo a quem quiser colher esta flor
Que irradia do meu peito.
Confesso a impertinência, o que julgo ou o que me dão,
Por vezes não é suficiente estes cem anos,
Acho que um dia chegava para ser feliz,
Acreditem que um dia é imenso na minha vida.

Ambições

Respondi nestas frases o indizível de minhas mãos nuas,
A resposta de neves na aurora de dia que nasce em ternura de leve acordar,
Desci ao passado, lamentei-me de indiferenças,
É tão vago o sono e a mágoa,
Assoei-me num lenço, tranquilizei-me e pedi um café,
Desci mais degraus de recordações sonâmbolas, díspares,
Aumentei o meu dia de olhos na penumbra de amanhãs entre portas,
Olhares neutros de multidão que espera,
Já a chuva é um sentimento,
Os meus amigos estão num convés de barco
Atrás do sonho a que tudo resiste,
Sim, estou só e caminho só,
Acho melhor assim este desprendimento,
Esta glória de nada sentir
Como vento da manhã agitando os ramos às árvores toscas,
Fumo cigarros despidos, a nicotina acalma,
Deixei as noites penduradas em relógios na cama que tudo esquece,
Meu coração é uma pétala de algodão,
Uma nuvem, um lamento, uma ilusão,
É um dia de Natal em que desenho na janela o meu nome,
Através dos tempos não vi mais que um arrastar,
Um acenar sombrio, uma estátua de melodias na pauta de música da minha vida tão frágil,
A originalidade há muito está gasta numa engrenagem sem o maquinal condão de emocionar,
Estou parado,
Sou um rato, um bicho qualquer,
O que quiserem,
As definições já nada revelam,
A palavra está morta,
É um retalho de circular em contra-mão,
Um afago que se gosta como espelho de tudo o que poderiamos ser
Como se não olhássemos por dentro das nossas ambições já defuntas.

Difuso

Os olhos choram a cor de estilhaço
No espaço da órbita tão perdida 
No centro da emoção parada
Do silenciar de uma lágrima.

Por favor, quero silêncio,
Morre o pano, o enredo,
A manhã dos nevoeiros,
A dor.

Deposito uma esperança de vela,
Talvez incendiarei uma luz perdida ao longe,
Um traço de azul no céu,
Eu sei sou neutro como balança dos nossos elementos.

As rugas são vincadas na inocência ainda da memória olhar,
É um verbo que se perde no imenso infinito,
A verdade é ainda um mito difuso.

Dezembro Em Minha Alma

A nobreza, sentimentos dispersos
Como nuvem ou tacto dos objectos sensíveis,
Comunguei a essência de estar vivo,
Atroz e rastejando em memórias como restos, em imagens e não só,
Andei entre paredes de branca cal e perfumes de violetas,
Acalmei a ânsia de ser só
E pasmo quando sou um objecto que é sensível,
Sinto como pairando numa árvore de emoções adormecidas,
Sim a trivialidade faz parte, todos somos verdes e rosas, pálidos e negros,
Mas sentimentos movem-se na fogueira consumida de cinzas, apagada,
É Dezembro em minha alma,
No calendário dos sonhos de todos os dias.

Olhos de Luz

Espírito de sombras,
A cor improvável de tuas mãos no meu peito ansioso,
A destreza de palavras e emoção de riso descontente 
Numa praça abandonada, 
Um dia de Verão gasto.
Corpos de sinais e melodias triunfantes,
Odes ao mágico nascer do dia,
A erva do jardim demora no seu abraço de perfume multicolor.
Faz sentido por vezes sentir o dia e o calor ameno da estação,
Grito demorado na distância de número,
Lembrei-me de calar
E esqueci-me de letras e livros,
De seduzir o que já não é ritmo,
Creio na sagrada imagem do meu sonho,
No solene adormecer inanimado que me pertence,
A missão de erguer o dia nos meus olhos de luz.

Fragmento de Alma

As palavras sangram no som de palavra,
Adornos da palavra,
Ouvem-se em esquinas, em palácios negros, em prantos de aias ancestrais.
Em breve esquecem o significado,
O seu mitigar,
O silêncio faz todo o sentido depois de se ouvir o momento do corpo se despir,
A simbiose de verbos
Na acção da manhã doente.
Toda esta minha viagem ao percorrer as letras
Que juntei para numa mão fechada
E te dei a ler aos teus olhos de leitor
Atravessaram a imaginação,
A transfiguração de um espaço de intelecto,
Medicamento doseado em ferida de quem chora o fragmento desolador de sua alma.

Dor de Pântano

Sempre a mesma lucidez irreal,
A luz aparente,
Encenação de cigarro na calada da noite,
Um miradouro sobre Lisboa,
Que perdição...

A forma lúcida das formas circulares de fumo na calada da noite ,
Um gemido aparente de dor
Neste jeito de gemer calado 
A angústia do escuro pensamento circular,
É perpendicular na manhã que atravesso no sono
De minha vida.

Linhas escusas, serenas e toscas que não compreendo,
Maldito destino,
Desdizer de sonho,
Aprender a lição sem regras
A dor de pântano.

Por Si Só

Havia um burro que fugia,
Havia um astro de mármore
E os dias eram leões de circo no palco de todos os dias.
Penteava os cabelos que escureciam a luz do céu de estrelas,
Era noite em Lisboa como qualquer outro sítio igual e distante,
As estrelas eram brilhantes,
Queria uma estrela que a metia no cabelo 
E uma Lua de ilusão junto de mim,
Era breve o sonho imenso,
Era eu num quadro,
É a minha alma de luz,
Setembro era pálido para a luz de eu mesmo
E colhia orações de ramos de árvores no meu pensamento.
O vento e os moinhos de cores garridas,
A trágica condição de sobreviver sofregamente em três actos,
Em sereno endoidecer plantei pistas de roupas,
Versos incompletos e palavras com silêncios
Como uma tarde em que miro a minha imagem,
Espelho inconstante por si só. 

Ritmo

Florete de marfim mata a espada,
Moeda de latão não paga nada,
A tolice brejeira num café, numa esplanada,
Uns pássaros no horizonte, umas cervejas, umas graçolas.
Em breve o dia finda,
Outro mapa, outro guia,
Outra coluna, estátuas,
Cinza e um tom rosado na face
Como mulheres delicadas e leques,
Como tudo ou nada.

Olhar

Esculpimos depressa a expressão tranquilidade,
Depois o enredo e sua orquestra,
Há passos de gigantes e dedos miudinhos na soleira da porta.

Nunca reparei em mim,
Somente há pouco tempo vi em meus olhos uma cor oculta,
No espelho vi um tom verde, esverdeado mas intenso,
Fui a única pessoa a ver esta cor,
Nem sei qual a imagem que fiquei,
Foi rápido.
Todo tempo vi através do centro ocular um tom que pensava ser castanho escuro,
Mas erroneamente via o mundo com uma cor que não julguei ter.

Tempo

Desejo a ambição de saber,
Conhecimento desmedido de alma que sofre,
A incerteza desta vida lenta,
Fico na calada da noite, 
Em memória e sinais,
Fico indistinto na dúvida,
Na incompreensão e incerteza 
De ter tempo contado como segredo e degredo
Na palma de minhas mãos.

Desencontrado

De distração de estilhaços e dúvidas,
De metades de impotências,
Previsões demoradas
E três corpos despidos na areia de Cosmos,
É o cálculo de dedos,
É o tempo de jejum,
Rotina de passatempo,
Este embaraço de nada.
Hoje as flores tropeçaram no jardim,
O perfume estagnou o vício de alecrim.
Ah, o enredo surge.
Nada, nada, a superfície das sombras chinesas.

O instante é um enredo e cheira a ciência,
Léguas do pensamento.
São horas de dormir,
Ergue-se o estendal do verso,
Arauto da boa nova,
Relógios da impaciência
E a pele nua sobre um manto de tristeza,
Durmo hoje acompanhado e apagado
Como fumo de cigarro
Um pouco desencontrado.

Todas as Palavras

As mulheres sangram na noite,
Na ilusão de prazer ainda se mantém o vício,
A noite, estranha noite,
Mistérios da memória e vida,
Nos olhos sem amor perdi papeis,
Nos olhos de silêncio deixei vento,
Este serenar de alma, 
Um leve eco desiludido de palavras impronunciáveis,
A exclamação é um til numa vogal em língua gestual
E quando bebo café pronuncio o corpo doente de anos parados,
Não perceber é a minha luz
E se não entendem o que escrevo é talvez a retórica de pobre estação de sonho.
É isto o momento,
Se planear o destino será um direito que atenta a lei de Deus
Eu nunca fui contra a lei de Deus,
Os mistérios e adivinhas são o cofre de alma embaraçada de sofrer,
Em breve a comédia resiste a vendavais,
O drama é falso na essência de imitação,
Esquecer palavras e ignorar o sentido,
Recordar é reler
Passado é um presente demorado no enredo de verso,
Toco a palma de minha mão, coço o cabelo,
Toco a morte e o prazer
E todas as palavras.

Tempo dos Gemidos

A conversa é pequena em nuvem e distracção,
Ser grande é ter grandes palavras no eco dum murmúrio,
Fado dos infelizes quanto vos quero,
Num gesto poder traduzir o desmaio de quem sofre,
Peço ao absoluto inconsciente o desespero da mágoa de meu peito,
Peço, mendigo de alma, a luz prometida,
Porque eu não vivo e desespero no timbre de um lamento 
E carrego a madrugada de todos os olhares,
Ouço os silêncios e ouço a trepidação das mulheres,
Não presente em delírio ou lucidez
É um grito zen, oriental, marginal
Ou a cruz num deserto da emoção crua,
Carne trespassado pelo tempo dos gemidos.

Fim de Caminho

Uma recordação da tua ternura basta,
Memória de contrastes em ambientes dissonantes,
Ténue a dor de saber isto da alma que nada sabemos
E do alto das estrelas como manto de corpos nus 
Desejamos alcançar o nosso lar de trevas.
Apetece o enredo, os enfeites de Natal,
A magia de crianças, um anel, um sinal,
O corpo desfaz a barreira de luz 
E pássaros do espírito fazem ninho num qualquer lugar,
Em breve o serenar do silêncio e a miopia desta vida
Tomarão conta deste delírio azul,
Batalha de sentimentos como ondas do mar
E o desejo animal e a comédia dos dias lentos,
Tudo mágoa do olhar que fixa astros desiguais,
É tanto querer e sofrer,
Tantos passos que chegam ao fim de seu caminho.

Riso

É um dizer como não ou qualquer palavra,
Representação articulada do movimento que agita a mão,
Agora desdigo o verso e penso no reverso e seus cambiantes,
A melancolia da expressão,
O sentimento é uma luz,
Trágica lágrima do criador,
Em suas mãos ergue-se o momento,
O dia clareia as ideias ainda dispersas em ambiguidades de coçar a barba por fazer,
O salto do clarinete em frente à janela
E o riso na plateia, um esgar de dúvida e talvez, sim, riso do inesperado de fait-divers.
A graça é um fenómeno sem preço,
Não está tabelada em placas de supermercado
E rir às custas é um fenómeno que tento compreender,
Apropria-se a piada da graça com os preços de desenganos
E o que não disse poderão talvez supor
Afinal a liberdade de pensamento, a poesia e a oração não pagam a renda da casa
Nem os olhos de folhear um livro é metade do preço
De olhar uma revista de celebridades. 

Irreal

Nunca e jamais tornarei a ser o que sou,
Sou um outro e desconheço o ser.
Se amigos não o são
E o real uma coisa inventada
E a ciência é lenta em sua angustia,
Há olhos em estrelas, 
E água estagnou em meu olhar,
Descanso o sono maldito,
Em breve o sonho acordará, assim, irreal.

Azul

O azul do som do mar,
Tonalidade de onda que volteia,
Momentos de fuga,
Enredos de fantasia, sopranos de vento,
Natureza de conceito nulo,
Ergue-se a sombra de luz de som distante, ambíguo,
A chama do oceano é imensa,
Acalma a treva do sonho adormecendo o espírito.
O mar é a nudez da alma.

Desmotivado

Desmotivado, arrastando-me somente em vão,
Noite, persigo a luz,
Olhos fechados que choram a palidez de rosas.
Desde que perdi a ambição,
Som de corpo nú, nada,
Há uma lembrança, uma imagem
De criança numa escola abandonada,
Os livros perderam as letras dos significados
Neste mundo onde tempo corre velozmente em solidão desencontrada.

Penso e Sonho

Penso, sobretudo penso e sonho
No que pensaria se fosse um outro e não eu.
Qual o assunto de meus dedos,
Qual a personagem 
Qual o meu papel.

Tento o inconsciente e o momento
E o que custa 24 horas
E se fechei os olhos
E se mirei o céu.

Deveras o que sinto,
O que sou eu
É um futuro composto,
Algo absurdo e incompleto.

Se choro, se rio,
Quanta mágoa há num copo de vinho
E quantos acenos há no voo de uma gaivota
A planar como derrota do olhar.

Processo

A casa de contemplação do ouvido que ergue a voz,
Sons de estrada,
Na madrugada dos sonhos embriagados por desilusão e mesquinhez
Fazia a andorinha o seu ninho de olfacto 
E a sórdida vizinha do cupido analfabeto de imagens e luz
Discorria um discurso de cegos que pedem esmola no metropolitano.
Assim que eu cheguei a Lisboa no meu nascer descendente 
Acordei em atirar pedras à injustiça que mora no prédio ao lado do meu.
Por vezes sou inútil e demente mas isso é meramente normal,
Assim como a imbecilidade é aceitável desde que vá num passeio contrário ao meu.
Fazer cócegas no que não é de rir é moribundo
E gracejo porque a monotonia é um modo de ser que não gosto.
Do riso sei eu o que custa uma lágrima,
Do sonho que volteia em realidade
E realidade de sonho e fantasia do veneno,
Sim, teatrinhos de estrada e embaraços,
A cerveja é uma forma de estar como tremoços e vadiagem,
Viver não sei o que custa,
Vida e morte é incógnita de sábios,
Talvez insista no teclar de pianos,
Talvez persiga no ar o infinito,
Mas morrerei feliz nesta infelicidade de processo.

Unguento

Rosto na manhã calada,
Rostos e bustos caídos,
Muros e ondas azuis
Por vezes sem cor,
Às vezes velhos pedem a juventude
Na voz de suas inocências de há muito tempo,
Que não se perdem,
Estão dormentes,
São como chagas pedindo o unguento de fé.

Mito

Este jeito de vaguear
Nada inquieta e tudo mantém,
As palavras não sabem dizer o que sinto,
As palavras que servem afinal?
A monotonia do significado,
Mas a verdadeira essência do pensamento é a irrealidade,
Não há palavras do pensamento,
São vivências, sensações, ternura, amor,
O pensamento é inexplicável.
Qual é o pensamento que é palavra
E o que é palavra senão o que pensamos
E os conceitos serão conceitos ou preconceitos do domínio da significação?
Se digo dedo, será uma parte do corpo o conceito
E o preconceito por sabermos a que é de antemão qual o significado de dedo?

A falência do mito
E a verdade da imagem,
A realidade deve ser celebrada na verdade,
A imagem é o próprio mito de si mesma.