quinta-feira, 26 de junho de 2014

Tudo Esqueço

A viagem de corpos, silêncio, ausência, câmbios, paz, 
Morde-se a palavra em ritmos da cidade,
A migração, passagem, tudo o que não vemos,
Qualquer mensagem como ocultismo, gargalhada nua,
É manhã nesta Lisboa despida,
Frequentei os bares líquidos, noite clara,
Caminhei em frente, qualquer coisa, uma pedra, uma janela,
É tempo de dormir,
O regresso ao leito, 
Aconchego da memória e segurança,
Nada de facto me ficou,
Sombras e afectos, despesas e um sentimento de nulidade,
Carícia de amanhãs, ressaca e dias lentos,
Sou experiente nisto tudo, 
Nada histórico a assinalar,
É urgente esquecer,
Vertigem louca, o acenar demente,
A inacção, desapego,
Tudo esqueço.

Ciência

Urge a ciência dos justos, João,
A cidade respira teu nome,
Nos bares bebe-se o mistério das mulheres inconsoláveis,
Não sei se aguento este rigor, esta idiotia,
A mórbida palidez do meu passado que adormeço lentamente em saudades,
Nada mais é visível,
Desolação e pouco mais,
Nas páginas da madrugada como pétalas do teu ser
Perderei o meu corpo, 
A manhã triste do meu lento acordar,
A emoção lúcida e maquinal do meu sofrer.

Probabilidades

Talvez as probabilidades,
O ser e não ser ou ambos já não sei,
O sonho de poeta na calada da noite 
Que não sente o murmúrio, a voz do coração,
O que andei por aqui a fazer este tempo todo
Que enredo de aranhas, que teias lunares
Teceram ao de leve este vestido de neutra estação,
Embebido em ténue deslumbramento deixei as mãos ao abandono,
Deixei ir, larguei-me,
Alvo derrotista, fantoche desapropriado 
Não espanta nada apenas a alma o sustem
E o susto, o medo desembaraçado na pele,
Tenho momentos, estilhaços, imagens embriagadas,
Nocturno cérebro, manhãs injustas,
A aritmética de pensamento da equação de estrelas,
Um choro demorado, soluços, 
Coço a cara, os olhos e penso em declives,
Em detectives e na luz tosca,
O universo é um verso,
Toco o piano, o som imaginário,
A desunião, um breve trecho de melodias de enciclopédias e pássaros,
Retratos de sonhos, ervas e campos em flor,
O casulo de uma borboleta,
O trigo a ondular, a minha memória de pranto,
O ritmo dos números pares,
Serei o espírito da recordação,
Os ambientes decadentes,
A imigração celeste
E o motivo causa e consequência desta minha tristeza,
Os papéis da fuga animal de oração perdido do meu peito.

Vício

A Sagração da Primavera,
A sagração do assassínio em tarde calma,
O combate cego de sentir a solidão em desenho de vida,
O meticuloso ardil, 
Pestanas de vigia
Numa rua abandonada com luzes e um gato escuro, estanque,
No edifício a doença veste o rosto contraplacado de nós,
Danças de corpos caídos,
As vestes engalanadas como prece ao demoníaco som de sangue, gota a gota,
Corre marginal por entre vidros, ossos de luz,
Uma grinalda de fumo,
Correntes espetadas em cruz,
O movimento é lento, espera,
A dança dos gatos a contraluz,
A sombra chinesa do azul,
Afectos da monotonia dolorida, encenada,
Este verso carnal que migra em todos os sentidos,
A força de uma ave no precipício,
Um choro no centro da ilusão,
Uma criança brinca com o tacto,
Embriagues de fios e telefones,
A cera dos ouvidos,
A viagem do ouvido,
A viagem de geração,
Ah, distraídos conquistamos a derrota
E alcançamos o vício,
A redoma que se faz em volta do silêncio
E as ondas são afogadas em delírio de eterno retorno.

Eterno Momento


Sou imenso neste eterno momento,
As palavras não são a tradução de sentimento,
As palavras sentem elas mesmas a prisão da nossa alma.
O breve desfalecer do dia,
As noites do meu cansaço,
A quimera, desejo, a ilusão, maresia,
A nobreza, desafio e algo mais, talvez o concreto,
Actores da palavra que volteia, desnorteia,
Simbiose de amar e sofrer como bola de trapos,
Percorro a distância dos alfabetos,
Incendeio ao de leve o conteúdo da imagem cega,
Como é caro este dia a dia da solidão mórbida
E os carros e os rebanhos de pessoas
No bulício da cidade,
Desencontros,
Indefinição de amor,
Jogos de memória em secreto arfar das manhãs,
A palidez nas notícias
E o câmbio da tortura da palavra vã,
Encenação de miragens, 
Sombras nítidas espelham o que não se vê.

No Teu Silêncio


No teu silêncio há luz,
Há sorrisos,
Estátua indefinida sem movimento de tão belo o tempo a olhar-te,
Uma corsa, talvez réptil ou aranhiço,
A natureza imita-te,
Noite de bruxas,
Encenação,
És livro com palavras que dizem junto do meu ouvido
Tudo o que sonhei ouvir,
A estátua intocável do sonho,
Voam os anos,
O vento dos dias não se vêem,
A dor de te imaginar,
Garras da memória,
Suave deslumbramento o que sinto.