quarta-feira, 12 de março de 2014

Dormir as Palavras

A música chega inquieta, treme,
O palco morre,
A dança do vestido, seda vermelho,
A luz neutra como que tímida perante a multidão,
Agarro o momento ausente,
A história de sombras mexe o sentimento, 
Gaivotas em terra, mau tempo e solidão de embaraço,
Por vezes a voz é nítida e a plateia geme,
Por vezes já não há risos e não há choros,
Só emoção de uma garrafa de esperança
E a noção de algo que não faz sentido,
Sim, é perigoso pensar nas ausências 
E no que poderia ter sido se não fosse assim,
Mas a habituação é mortalha dos sentidos
E o que não alcanço e o vai-vem do isolamento permanece
Como estátua ou o que não ouso pensar porque já perdi as contas
À dimensão do desafio a que me propus desde sempre.
Desisto como já me desistiram tantas vezes,
Que desorganização e metáfora do empalidecer
Quando escuto as palmas, solícitas,
Sem ter chegado à conclusão do que faço aqui.
É dia de dormir as palavras e acordar os ouvidos em uma qualquer outra realidade.

Silêncio

A luz é um fenómeno,
Escuro sou eu, 
Perco-me em estradas, becos, caminhos sem fim,
Há eterno cheiro a maresia no ar, 
Um Agosto que é madrugada
E um navio que nasce no céu.
Silêncio que a noite morre,
Que vasto acenar ao azul
E já sou ave que procura a imensidão,
"É triste ser como sou",
"Acreditem que é sério",
"Não brinco, é real o que digo".
Tenho todos os perdões do mundo,
Feridas atrozes em meu pensar,
Corpo dorido, ah que dói tanto acordar,
Que fictício é todos os dias,
Que imagem busco, como tudo é culminar do vago,
A saga, a emboscada, procurar nada e nada ter,
Oiçam isto que não percebem,
Leiam todos os livros do mundo,
Pois os meus olhos têm todos os horrores desta vida.

O Olhar

Que noite fria deste meu olhar,
É por vezes confusa esta distração que chamamos vida,
Inumerável e soturnos somos nós
Neste desalento que migra, estende-se até ao fim,
Oh, por favor quero ousar o trâmite de loucura
Diluindo em emoção, quero mais,
O verbo dolorido, a engrenagem,
Tenho mãos em nuvens brancas,
A televisão não se cala e tudo é um isolamento,
Os químicos, a alquimia do coração
E luzes fazem barulho em meu redor,
Não sei se pensamento é algo que se possa usar,
É o meu olhar de mago, vem distante em meu alcance,
Perde-se dentro de mim.

Segredos

Segredo, eterno inconsciente de ilusão,
Fugidia como razão,
Não poderia viver na intolerância,
No preconceito da idade que desmaia enquanto vida.
As hienas continuarão,
O colóquio dos senhores vencem
E eu eterno aprendiz de esqueletos de sociedade
Presos em cabides de maravilhosa essência,
Tão fugaz, quanto nula
Persiste em andar, marchar em assuntos do quotidiano pobrezinho.

Sou Luz

A simples coincidência faz o acontecer incandescente,
Frémito de coisas ocultas,
Há tanta maldade, tanto ódio por desbravar,
Até encontrar a paz não descansarei.
Se morto estou, ainda não terminarei sem antes
Fazer ver que em tudo há a eterna magia
E sempre por mais tenebroso e angustiantes nos sentirmos,
O espelho, retrato do meu olhar há-de guiar-me até ser dia,
Subirei ao plano extra-sensorial e com um átomo do meu ser
Hei-de superar a barreira das palavras,
A justiça é missão, eu sou luz.

Doença

Que há mais a dizer, nada é a melhor resposta
De que me serve a alma, o corpo, o coração,
A mente não serve, é ausente e presente,
A alma foi-me arrancada, não presta para nada,
Lixo e pouco mais,
O sentimento, para quê, é alguma coisa que se veja?
Eu não vejo, não sinto, não penso
E ao escrever é como nulidade,
Mera retórica de doença.
Eu sei que há pessoas e realidade
E sei que sou alguém para muitos,
Mas nada tem lógica, digo eu,
A verdade, razão e o que disfarço
E os olhos que me rodeiam,
Haverá algo que valha alguma coisa?
Não.

Amor

Amor, tu consegues verdadeiramente sentir?
E esta forma de sentir será real,
É isto que controlas ou o desejo é isto sem mais nada?
Tenho o meu destino em minha mão de futuro ao vento
E tenho o desespero de ruína,
Embarco em viagens sentimentais, 
Que dor e desalento,
Não sei se posso amar o inexpressivo amanhecer
Que todos os dias, melancolicamente, doentio e louco
Faz-me permanecer, embora distante,
Disto que me mantém acordado à eterna novidade,
Trânsito e sirenes e ruídos citadinos
A homenagem, as flores no peito
Que sentido me conduziu até aqui, a esta hora de verso,
É Inverno, faz frio e sou um menino
Que pede carinho,
Tenho saudades de mim,
Este sonho por mais fútil e ténue
É meu e desprende do meu aceno a imagem que conservo desta manhã 
Ofereço-te este dia, conserva-o.

Endereço de Timidez

A adolescência de voar,
Sem equívocos, sobretudo ousar,
Ser maiúsculo e na realidade ser prático,
Incoerente ao que se julga, superior ao fato,
Sei de um país que nasce todos os dias nos olhos que me fitam,
Sei de tudo o que é músculo, carne e sentimento de calar, mitigar a sorte,
Bater à porta de minha memória para não chorar de dor,
É isto que luto todos os dias,
É isto que trago,
De ti,
Espírito de fraqueza embutido na minha palidez de Maio,
De todos os dias,
Andarilho da palavra que dança,
Dizer com pulmões cheios de ar, de viva voz quanto me apaixono quando te vejo,
Imagem ao espelho 
E me esqueço de mim,
Nobre e solene no meu pequeno jeito de ser
E que abraço ao sol poente esta idiotia de dúvida,
A questão de sentir, alinhavar o que norteia,
O que me faz mover,
Baloiço de abstrato,
Endereço de timidez.

Essência de Felicidade

Aceito a hesitação, a escrita cansada,
Demora...
A pausa das palavras como que inanimadas.
O enredo vem, assim, apoderar-se
Pleno, mínimo, tecendo sentidos,
Palavras constroem palavras,
Há na lentidão a devassa dos significados,
Um horizonte, luz, prece, esperança
Como nascimento ou ideia,
Um ferro cravado nas linhas da folha,
O contexto, assunto, como, onde, porquê.
É flecha ausente de olhos que vêem,
A ilusão das letras,
Um todo que é nada.
É, portanto, acessório que veste um corpo,
A nudez não interessa.
Roupa de versos,
A prece na batina de um padre,
Cor garrida de amor, encenação,
Bilhete, cartaz
Ou talvez a essência da felicidade.

Não Choro

Sempre desorganizado, 
Ouço o inexpressivo acontecer do grito demente,
Silêncio, porque o barulho, as vozes, todos os verbos são vento.
Esta noite não choro.
Oh, quanto desespero em desigualdades, metades
E como sinto a névoa em meus olhos fugir.

Eterno Adeus

Vi-te em meu olhar,
Distraías-te com a paz da noite melancólica
E os teus olhos serenos e tristes
Cantavam uma melodia, uma reza tão suave
Que tudo em teu redor era silêncio e harmonia.

Não eras ninguém, apenas tu mesma,
Sem disfarces ou artifícios,
A vontade em tua pele
Delírio da razão de amar.

A cor era desmaio, o sono refúgio,
O real era o teu braço no meu orgulho de sentir-te,
Contava os botões do teu casaco de malha,
Eras tão delicada e ténue como luz.
Amor, o silêncio em ti era mais que mil palavras,
Mais que dicionários,
Tragédias, ficções passageiras.
Eterno adeus,
Caminho agora em lentos, sofridos amanhãs
E vou escurecendo a recordação de tua face,
Agora matéria de ambíguos sonhos.

Semiótica do Sentimento

Procuro, devorando palavras,
Definições no dicionário de almas,
Vou tateando, sofrendo as ausências,
Não te sei de cor, 
Sei o que me falta e é tanta a mágoa como pranto, desencanto,
Pássaro negro, infeliz,
Ode triunfante, enredo marginal,
Novela de palavras mortas.
A desilusão é o que recebo,
O pecado é estar aqui e ver o que sofro
E pressinto tal como mundo.
O que me deixaram não serve,
O que sou não é justo,
O meu corpo é a metáfora mais atroz na semiótica das palavras do sentimento,
Por vezes abro a janela e fico, assim, a meditar na distância entre o bem e o mal,
Por vezes ando de noite com os olhos rasos de choro,
Enraivecido ou desculpando a razão que surge aos poucos,
Mas não ilumina o passado e futuro,
O que poderia, ambicionava talvez poder ser.

Nada do Momento

Olhar o nada do momento,
Semi-cerrar o real em ótica de sonhar acordado,
A imagem é infeliz vista por mim,
O teu rosto é uma sombra arrastada pela cidade,
Alcanço arestas,
Pegadas impressas em desilusão.
Já desculpei este meu desamor,
A entrega que não é nada,
É memória ou inconsciente,
Viver em gestos,
Fuga que faço de amor,
Fuga que faço de mim,
Como é fútil perder o prazer de profundidade.

Não Vale Nada

Ali uma imagem e um corpo,
Depois o céu azul, distante,
Alma breve, complicada,
A incerteza de nada de tão vazia
Faz-me andar à deriva em busca de um eu mesmo desencontrado.
A emoção é saturante, não reconheço sentimento,
Não há nada.
Se pudesse, conseguisse reaver os pedaços de vida, 
Os corpos que amei em vão,
Juro que não sinto, tudo vão,
A luz trágica
Desta confissão o amor não vale nada.