domingo, 2 de abril de 2017

Distante

Profundo e oco existir, o eco de um silêncio que grita,
Mar que afoga, corrente de marés e enganos,
A guitarra uiva o som de deserto,
Este jeito de imagem, um pente, um drama,
A ocasião de acaso, um passo na direção de cair,
Subir descendo e sobretudo não ir longe, pois o corpo não sente
A manhã de cravo, a tarde fútil,
A certeza de fúria, o rosto na dupla face,
Um câmbio dúbio de incertezas roxas,
Os intérpretes da memória,
Um escasso momento de luz e papel,
Suave, a amplidão de assunto no manto delicado,
Erguer de simetria o pranto
Ou talvez a derrota em fogueiras apagadas,
Nas notas semibreves, o solfejo das flores
Na tarde de sol, a janela sufocante,
A impaciência de gesto sereno como um oficio de vidro
Ou uma trova pálida que respira a geada e o corpo lento
No passo de uma pessoa distante de si mesma.

Movimento

Não tenho tempo,
Irresistível modo de silêncio embaciado na pele,
Se pudesse o câmbio, outro espaço, outro eu,
Se o sonho pudesse o fim,
A máquina ainda parada no chá de luz,
Segredos em tons pálidos e serenos,
Porque o plano é sobretudo emudecer o grito,
Sobretudo a impaciência,
O corpo em metamorfose cinza e pardo, convalescente
Como uma visão de velhos fumando irrealidades em
Jogos de cruzes e histórias de mulheres do passado,
A imagem nublosa, a face recria um momento de aves,
A alma como pairando sobre o som semi breve da cor
Em que recordo um livro infantil,
Balões e velas e um enredo de sombra,
Nada deriva já do gesto de resistir,
A mão não poisa serenamente no cálido acontecer de nudez,
Esquecer o azul, custa-me o esquecimento,
O lento apagamento do pente imaginário,
A alquimia do vento que recrio em cada estrela do sonho sempre em constante movimento.

Problema

Mas é fácil o problema, é sempre fácil mesmo complexo,
O som do momento, 
Estilhaços de vidro ao lembrar,
A dúvida, portanto, existe, 
Custa a passar,
Comboio embutido na planície que afago no olhar tão longe,
Mas algo que custa, como mágoa ou sentimento rude,
A rosa no jardim, o verde calmo amaciando a paisagem
E o olfacto que respira sons e caminha sereno na estrada semi fria do rosto,
Apago uma estrela no passo descalço e semi-breve na nota de música do compasso de espera,
O terminal a que regresso sempre e surdo ao mocho da palavra,
O cálculo da bandeira que rasga o céu tímido e ponderado de fazer horas ao sonho plácido e sempre real no verso e reverso do que somos nós
Quando não somos.

Objecto Sensivel

São as vozes, são corpos inanimados,
O movimento da pele, o silêncio demorado,
A alma e os olhos acenam à noite um pálido regresso,
Um profundo sentir, uma sirene no fogo de saudade,
A este caminho de profundo caminhar
Meu castelo de dor, minha asa de compasso,
Ainda a luz inteira no corpo que resiste no calmo alvorecer da imagem
Que flutua como barco, náufrago á deriva de mim,
Em todos, em alguns,
Por um dia o meu todo, sem lenços, sem mágoas,
Sem choro porque o fado perde-se em esquinas, ruas
E ainda não acredito nas palavras, nos gestos como
Bêbados ou vagabundo em serenos desmaios de hostilidade
De acreditar em amanhãs rudes, incapazes de erguer de novo
O fogo da simetria do amor que toca nos dedos, no corpo mole,
Resiste no embaraço de todos os dias,
No lugar mais dentro que nos escapa de alcançar
No engano da sombra, no dia de terça feira,
Concreto e irreal como ousadia de querer sempre mais e nada querer,
Objecto sensível de sempre se perder.

Pedaço

Agora um pedaço de mim, 
A árdua memória em chamas,
Sol matinal na paisagem, o corpo celeste,
Ainda o festim nu, a história embriagada, indefinida no traço
Do acaso, semibreve, os sentidos do corpo, um leve acenar
Como recordações pálidas e gastas no casaco dos dias serenos,
Recorrer a metáforas como pedras ou um precipício
No acto de morrer todos os dias,
Todos somos um, todos, um,
Numero de símbolo ou abstrato de simetria,
A janela fechada no quarto,
O piano em silêncio descalço,
O murmúrio na planície ainda por nascer,
Enredos e fumo, emoção embaciada na porta deserta,
Portanto, números, nuvens negras,
Um ato de magia, transfusão de crescer em frente
Á parede do utópico jardim demente,
A vida de cetim, projetos irrealizáveis.