domingo, 18 de maio de 2014

Emoção Lúcida

Sempre esta nuvem a pairar,
Lenta e inútil
Como pensar,
A vitória é imaterial, 
Quando ganho logo me perco,
Sei pouco de mim.
A emoção lúcida nesta maneira de ser,
Ando ou rastejo por entre a multidão de sons ocos,
Rasos de dor,
A preguiça de ser português,
De ser tanto como areia de deserto,
De tatear-me como corpo de universo,
Esta loucura que é já extrema
E deixo de ver,
Sentidos torpes,
Miopia de trastes.
Jangada, jogo ou transfusão,
Quando palavras díspares são já sinónimos
E o acontecer uma selva íntima,
Afetos que marcam levemente como feridas
Nesta pele insensata, 
Mania de mim,
É minha alma de poeta que une o disperso
E desintegra o que mais arde no domínio dos significados
Que trago no olhar,
Tantos como a partícula transparente de amar o que desconheço.

Alma Nua

Espera um pouco,
Ainda a noite é escura
Sem estrelas ou ilusão,
A noite é escura como esconderijo,
Saudações e lamentos,
Ainda a mão toca o vazio
E ainda os mistérios pontos de interrogação por responder,
Os animais esgueiram-se velozes,
Assim, como imitação de gente,
Olhos tristes, envergonhados,
Por eles todos os adeus,
Todos os fados,
Toda a miséria
E pestanejar os sentidos
Tão críticos e dementes,
Assimétricos,
Candeeiros, lusco-fusco,
Solidão.
Trova marginal que se prende do meu coração 
Cru e tantas vezes sem cor, 
Tantas vezes bate o coração,
Tanto como o não sinto
Nesta improbabilidade de sentir.
É ritmo, uma sequência,
Relógio ilógico,
Palavra sem som,
Tempo de adivinhas,
Eterno popular.
Ainda falta acordar,
É cedo ainda ter luz,
Ainda os conceitos são lágrimas,
Fronteiras da invisibilidade da alma nua. 

Hoje

Hoje não, nego qualquer assunto,
Hoje pertence-me a flor,
O horóscopo, a vontade,
A idade.
Hoje não há preços, obedeço
Ao louvor, ao amor,
Ando em frente,
Não há ninguém,
Hoje o caminho é um fado,
Hoje é destino,
Pudesse eu apagar este dia,
A imaculada sombra
Que da minha fronte irradia.

Tempo

Já o galo acorda tarde 
E o dia um murmúrio,
Um pardal apanha migalhas de pão 
Saciando a sua fome,
Mais um dia e morro, desapareço
Como ideia de aparência
Ou ideia de louco,
Nunca souberam o que sou,
Não digo o que não sabem
Se me prometerem que esqueceram o tanto faz,
Não pertenço aqui,
Isto é demasiado cansativo,
Estas teclas que escrevo  em corpo de segunda mão
É um registo do que não sou,
O que fui é a minha única certeza
E eu estou não no presente,
Desconheço o tempo, o espaço,
Não percebo qual o meu interesse 
Se eu mesmo de mim perdi o amor,
A existência,
Sim o perdão também faz parte,
Mas perco demasiado tempo
Neste questionar que é também demente.

Mãe

Mãe, a vida é tão vaga,
Mas parece que os instantes passados a teu lado são eternos,
A teu lado enfrentei esta realidade como quem perde,
Ausente, mas sempre a teu lado.
Mãe tu és justa e acredita que nunca conheci esta palavra em lado nenhum.
A imaginação é a minha morada,
Tu vives nela também,
Num cantinho especial,
Mesmo ao lado do sonho.
Se vivi sem regras e sem sorte apoiar-me-ei sempre em ti,
Tu és a minha vitória neste jogo de saber-me sem sentido.
És tão minha mãe que não poderia ser de outra forma.
Por mais que sofra, me transforme,
Me odeie, sinta infeliz,
Adormeça o que poderia ter sido, 
O que não fui,
Por todas as pessoas que conheci 
E são muitas e tantas as pessoas,
De todo o género, raça e feitio,
Nada se equivale ao sentimento que nutro por ti,
Significas mais que tudo, mais que ilusão,
Mais que doença, mais que conforto,
Mais que dinheiro, 
Pois esqueço todos estes fracassos na eternidade do teu nome,
Na eternidade de seres minha mãe.

Breve

Tentei ser a sombra,
O nome que não se lembra,
Giz num quadro a escrever contas aritméticas,
Tentei ser a inexpressiva manhã do meu corpo,
A maré, o sopro da praia,
Tudo neste momento,
Tudo é isto, planta, o solstício de Verão e um segredo,
Enredos circunstanciais, magia de duas mãos entrelaçadas,
Mas que aborrecimento,
Tentei ser uma vida,
Um exame de consciência,
Falhei, caí, 
Com mazelas e atormentado
Sem me lembrar do meu passado
Quem me disse para esquecer o tempo, o espaço?
Uma tela branca e um gesto,
Carícia ao de leve como pincel formando o rosto tão belo,
Tal como poesia ou música dos dias,
As manhãs de cetim, como diz Florbela,
Ou uma sentença de demência,
Algo, assim, como conversa entaramelada,
Assim, como tudo e nada,
Um profundo desejo de peripécia
E voltar atrás com a inocência de areia,
Saudade,
Isto não passa de uma ideia,
Uma contradição, Um velório,
Ou uma certeza de luz no distante horizonte,
Tudo o que inebria, 
Nuvem, Sol e desatino, 
Um tema azul na jukebox,
A mágoa por existir,
Por insistir 
A alegria tão breve e tão nossa.

Os Versos

Os versos ziguezagueiam entrelinhas,
Entreatos,
Fugazes, maliciosos
Como corda bamba
Do que mais genuíno e atroz se faz por cá,
São cores, madeixas e corpos nus
E o Universo é uma dança,
Estrelas e astros
Como correria louca pela solidão 
Para me alcançar em braços sórdidos 
Ou carícias descontentes,
Este pensamento é a minha alma,
É tua, dou-te embrulhada, 
Metamorfose do que entenderes,
Acaricia os versos,
Leva-os pela cidade 
E deixa-os em multidões,
Abandona-os nas tuas frustrações,
Sê animal.
Só se vive na ignorância, 
Quem somos nós senão espelhos,
Que renascem velhos
Na eternidade dos conceitos que se perdem aos poucos,
A minha missão não é nada,
O futuro é uma amálgama de sereias,
Uma tarde de copos,
De corpos,
Ondas desiguais de memórias que me guiam
No processo da trivial tradição
De voltar ao mesmo sitio onde se nasce
E onde vou desaparecer.

Corpo Delírio

Serei o movimento,
A distância que percorres ao segurar o sexo,
O leve acordar das coisas sensíveis.
Serei o suor da tua pele,
O odor invisível,
A tua imagem construí em delírio,
És o silêncio de paredes, sons e mente,
O que está para lá de portas,
O orgasmo a viva voz,
Tudo o que não se escreve,
Tudo o que não se aprende,
A liberdade de ausências 
Em que não sabemos o que somos,
Despedida da imagem de nós próprios,
A sugestão de corpos desnudados,
Sem cor nem tema ou melodia,
Somos nós, 
Inteiros mas solitários nesta entrega,
Comunhão de sentidos,
A carne, metafísica dos usos e costumes
E tudo o que já foi inventado e queremos como livro de corpos,
Caracteres inexpressivos dos dias de nossas vidas. 

Maldito

A ânsia de morte,
Não sei, persegue-me este instinto fatalista,
Querem conversa, discursos, teatros, tolices,
Não querem a verdade, o que sinto,
Seja feita a vossa vontade, por quem sois...
Abrandamento ou conflito,
Vestes engalanadas e um verso maldito.
Desisto, a inacção em multidão,
O relato, o que me delato,
Vistam palavras e outras coisas mais,
Pois não insisto.
Viver é um acenar ao drama,
É o horror de estar morto em vida.

Esta Harmonia

Já perdi a desculpa de meus braços
Em que envolvo o sereno vermelho,
Sangue, 
Transparência que circula
Na tarde oculta da minha mente.

Tatuado em desilusões,
O vinho das armas solitárias
Derramam soluções macabras.

Puxo os lençóis,
A roupa da cama, 
Até aos pés,
Estou nu e concreto.

Recordações de fisgas e árvores de frutos,
Carnes balofas e também baloiços.

Talvez o leitor não entenda,
Não sinta o horror,
Marginalidade impregnada de gargalhadas
E animais domésticos que ouvem as vozes dos homens.

Ficará bem esta harmonia de som de pétala?
E como custa subir a escada do precipício.

Magno

Sou magno e cruel como voz silenciosa
Que vem de trevas me segredar.
Mistérios da praça pública
Coço-os com uma mão dentro da minha braguilha,
Engana-se quem julga que sou só imagem, 
Reles endereço de corpo andarilho.
As palavras triste sina
Transporto-as na madrugada de filmes de qualidade duvidosa,
A eloquência de gestos dispo-os em corpos ausentes.
Sei de mim,
Sabem-me de cor como tabuada,
Que inteligente é o Eusébiozinho do Eça de Queiroz
E de Fernandos anda o mundo cheio como praças de gente inexpressiva, nula.
O contentamento não está nos versos ou reversos,
O que é verdade é o que sinto,
Não o que me pensam
Ou querem impingir como Testemunhas de Jeová
Ou algo pior.
Por vezes é melhor estar calado,
Pois as palavras têm silêncios que só a nós nos diz respeito.

sábado, 17 de maio de 2014

Aceno ao Passado

O riso é um defunto,
Morreu como assunto interminável,
A graça não faz rir.
Inquieto-me por este desnorteio
de que a vida me cobriu.
É escura esta realidade,
Corvos, doenças, moralidade,
Tinta preta de tema,
Indolor, volteia como inacção.
O real construiu-se como barreira,
Esqueçam os livros, as palavras, os sonhos,
O que interessa é a renda da casa,
A conta da electricidade.
O circo abandonou a cidade,
O palhaço chorou,
Os trapezistas arrumaram as malas,
Meteram os papéis para a reforma,
Não há dinheiro para cigarros.
Os cinemas também fecharam portas,
Os teatros ninguém assiste,
É como remendo de vício
E uma profunda nostalgia, um silêncio,
Um acenar vago e dolente ao passado.

Liberdade

É sempre esta madrugada de horror,
Não distingo os nomes das coisas,
A revolução faz-se com cravos de choro
Porque tudo mudou em prazeres mínimos
E o Abril é ainda confuso nesta ânsia de ser eterno,
Meus olhos, minha mão ao peito,
Sou português acanhado,
A liberdade não é inocência de conquista,
Dói-me os olhos, 
O pranto dos pássaros mortos,
Evoco os tempos de sociedade, a abundância,
Carnes mortas pela Nação
Mães choram os filhos
Que foram gerados nas suas entranhas,
Dois corpos de amor.
Quantas lágrimas ainda por chorar,
O passado é um pranto,
Que futuro me está destinado?
Deito-me sobre decisões de doutores,
Este olhar que se perde como voo de gaivota,
A imensidão de surdez,
Abril não és honesto,
Já pensaram com cabeças lúcidas sobre o que é angústia de liberdade,
Um cão preso numa corrente?
Já pensaram no que é uma gota de chuva
Num dia de Verão na minha face cansada?
Santos, o diabo, paraíso e inferno,
Profetas, mendigos,
O que representa a liberdade?
E o rosto de Cristo está onde?
Desenhado num pacote de cereais que compramos num supermercado?
A liberdade é fé como ilusão de escravidão, uma mensagem?
A liberdade é uma ferida,
Um ato intelectual,
Um trespasse, uma escritura,
Um tempo, uma idade,
Uma morte anunciada.

Esperar por ti

Diz-me qualquer coisa que nada diz,
Diz-me para esperar por ti,
Que demoras pelo meu abraço
Na tua pele nua e distante,
Eterna magia de amante na planície de amor desbravado.
Recolho o teu corpo
Despojado de manhãs ansiosas,
Anjos anunciam a tua palidez,
Para te sonhar acordei-te memória de futuro,
És cor viva,
Todas as sílabas de Verão
Que morre quando o Sol nasce no teu nome,
Flor, erva daninha do nosso deslumbramento.
Timidamente desaparece a nítida imagem
Que desfocou o meu desejo.
Braços percorrem os traços, sinais
Da tua presença,
Ausente, sempre libertadora.
Descobri a tua luz em minhas mãos de espanto,
Breves manhãs.
Canto a solidão,
Todos os perdões,
O grito das aves,
Sangue derramado na minha bandeira da verdade.
Os meus dias inúteis, inconclusivos,
Afastamento e retiro
Como as pedras da calçada.

Desamparo

O sentido da emoção varreu-se para longe do que sinto,
Abandonado, triste, 
Desamparo.
A ferida no coração,
Toda esta crueldade ficou 
Nos sentimentos usados e desgastados, 
Não voltarão a ser os mesmos.

O que vejo é a inexpressão,
O tanto pensar que cansa a recordação,
A sombra de meus passos,
O seu bater, ao de leve, em cadência.

Toda esta mágoa impregnada em metáfora
De ultraje, de real,
Faro de animal,
Pouco de mim sobeja.

Que loucura é sofrer quando nada se sente,
O mundo, uma aparência,
Uma centelha a arder no fogo brando do meu amor mortiço.

Palavra Demente

O sino das horas,
Palavras que ecoam no sentido,
A ilusão de assunto,
A palavra é demente de si mesma,
Palavras comem palavras,
Copulam significados,
Geram filhos, ventos, vencimentos,
Sofreguidão de cor, tema de gestos,
São como águia voando no céu, 
Planando em busca do sonho.
São tudo o que ambiciono.
Carne de ideia,
Madrugada de palavra amor
Que não existe na sua essência escrita, falada,
O amor sente-se como janela aberta
Num quarto onde as almas descansam.
A palavra dor é um mito,
A dor não é real,
Somente quando nos magoamos sabemos o que é dor,
É um sinónimo de mágoa,
É, pois uma forma de intelecto,
Apreensão do mistério da forma
Que a palavra encerra em si mesma.
A palavra é o silêncio falado em nós,
É a leitura de câmbios alfabéticos,
Nervos que estruturam corpos ausentes.