domingo, 20 de abril de 2014

Imagem

Sem um sentido de informar,
Com ardente desejo de te glorificar,
Em mim te vejo sonho e altura,
Deus na Terra, minha desventura.

Por ti remarei anos de vida,
Perdido que estou neste lento afogar de anos de mágoas,
Exército de causa,
Turbulência desenfreada de sentir.

Para te alcançar me lançarei em fogueiras,
Desbravarei miragens,
Fuga ao interior de mim.

Por fim, quando deixares de existir
Apanharei a tua sombra
No meio-dia de luz eterna 
Com que me vestirei, 
Adornando-me da tua imagem para sempre tua.

Tarde Demais

É tarde demais para se ouvir uma voz,
Os transeuntes emprestam dinheiro a mendigos, 
A vida está cara,
Há um claro retrocesso ao que é história,
As letras colam-se formando frases de humilhação tosca.

O piano é meigo nas notas musicais que se ouve pela sala,
O tocador é experiente, afina os nervos na ponta dos dedos,
O teclado desliza como rendas e enfeites de Natal
Como tudo é Santidade e momento de euforia nos nossos corações.

O menino grande que sou é feliz,
Recomenda-se,
Em noites de música apaga as estrelas uma a uma,
Serenamente, deixando a imaginação voar em holofotes de magia.

Caminhei estas noites todas em busca de salvação,
Em busca do brilho dos meus olhos,
Não sei o que perdi, o que sofri,
Ah, qualquer jogo que sonhei ignorei a vitória
E sei que estou lento e perplexo ao que me envolve
Em ondas de mistério ou o que a fantasia quiser de mim.

Ignoro as trivialidades, a mesquinhez e o quotidiano,
Serei o escolhido ou a entidade de fracasso?
Há dúvidas que plantei ao acaso,
Não sei se coro, se choro ou se me magoo quando 
Pedir a liberdade ás aves do paraíso.
Elas são inocentes como eu sempre sou.

Nunca irei compreender este jeito de sofrimento
Tal como cães rosnando,
Sofregamente, fazendo da alegria meu tormento.

Em livros de estudo professores endireitaram os meus ouvidos,
O meu nariz anasalou-se como constipação do sentimento,
Fui metido em carrinhas com pessoas escuras,
Nebulosas, até sair deslocado,
Não, eu não pertenço aqui,
Ambiciono mais, entristeço e culpabilizo-me,
Este nunca é o meu tempo real de vida. 

História

Uma vez... começa, assim,
A história que escrevo,
Era uma vez alguém que sou,
Que jamais serei e me esqueci de ser.
Fábula de lírio, animal e tudo o que o sonho alcança
Na minha mão fechada, impotente,
Esperança e pouco mais,
As palavras murcham como flores,
Vício na eternidade da dor,
Morte prematura e desespero,
É como riso de hiena,
Ordenado feito de suor dos dias,
A vastidão do mar,
Rítmo oculto na confissão de horas 
Que passam em eternidade de rotina,
Cores e carros e lenço perfumado de alfazema.
Já me despedi do Sol e a Lua é como um crente
Que na sua intensidade de luz solitária
É um crucifixo de lágrimas,
Um espírito de sombras.

O Tempo

O tempo de nada serve
É um remendo de ócio,
Uma adaga cortando os pulsos
Como segredos de vida inteira
Nesta calma que de mim lateja.

O tempo gasta-se em horizonte,
Olhar o indizível,
Podridão de vestes andróginas,
Versos quotidianos
E um lento andar em volta
De algo que escuta
O que mais chora em mim.

Noites de memória branda
Em que desejo não se recorda,
Tudo em melancólico mistério,
Medo, pânico.

Eterno enigma temporal
De ter tempo fechado em muros,
Arbustos, pensamento rectilíneo,
Organizado, controlado,
Poeira, ventos de outrora,
Emigração celeste,
A calma desperdiçada
Em cadeiras do óbvio,
Ciências inesgotáveis, 
Vazias e um eterno jeito de tudo
Querer do meu peito
Abraçar, erguer e viver
Na mais ambicionante forma
De tudo voltar a perder.

Dualidade

Em tudo há uma dualidade,
Sim e não,
Conceito, preconceito,
A mentira e a verdade.
No meio, no centro há o pensamento,
Emoção, sentimentos,
A religião, a moral,
As leis, a palavra de Deus.
Todos podemos escolher,
A vida é feita de escolhas.
Gramática de probabilidades,
Filosofia do real,
Quando se escreve pratica-se o jogo do real.
A encenação da significação que diz,
Espelhos,
Simbiose do sentimento,
O coração das palavras na face da realidade.
A realidade não é real,
É palavra, conteúdo, ideia,
Nós fazemos a realidade 
Mas esta não existe senão no que pensamos.
O real é como um sonho,
Espécie de surrealismo
Em que peças movem peças,
Engrenagem social, pessoal,
Em que todos somos um,
Mas que um também somos um todo.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Alma

A alma, o que é isso, alma?
Vende-se, compra-se?
É-nos dada?
Sei que nada sei
E é escura esta madrugada,
O alimento é a vida
E o coração uma haste vergada.
Nocturno verso de enredo
A inocência queimei
Nesta fogueira de aparências.
Quem ousou, profanou a minha sanidade?
O que mais real,
De lúcido, a minha verdade.
Castelo Quixotesco,
Exame de consciência,
Aluno de miragens apagadas,
Da miséria a ilusão faz-se verdade.

Liberdade

Há uma janela aberta, de repente,
Uma brisa que passa, imaculada,
É sempre esta morbidez muda da mudança
Em meus castelos dementes.

Ilustro uma coroa de espinhos
Tal como Cristo ou um santo injustiçado,
Deus desvenda-me a luz do pensamento.
A mortalha com que me cubro em cinza pálida
É regra de anonimato,
Ondas do irreal,
Fantasia, desespero e uma solidão no peito 
Como que abençoada.

Tirai de mim os séculos de escravidão,
A inquisição, as guerras, as batalhas,
As ausências, os preconceitos,
A falsa moralidade, o riso, a troça,
A ignorância, o medo,
A cadeira elétrica e todos os demais pecados.
O tempo tem de ser esquecido
Para ser dignificado.
Erros, miséria dos séculos,
Quero a verdadeira liberdade.

Nulos Embaraços

Só me contento com tudo,
O ênfase, o pathos,
Até a alma fugir de meu corpo nu e distante
De todos estes nulos embaraços.

Cegueira

Nesta vaga manhã que transporto,
Vastos e misteriosos são os desígnios da alma crua.
Horizontes, gemo, perfil de sombras negras, o que sinto,
Luz brilhando no poço real das imagens distantes.
As vozes são articuladas nesta gramática dos tempos modernos,
O verso é uma praia,
Areia, Sol e crianças gritando estrelas.
Tenho faro de letras,
Só me calarei quando adormecer,
É tão raro viver,
De que serve aprender 
Se tudo na vida é uma morte perpendicular,
Braços rodopiando em volta
Até a noite desaparecer da cegueira dos meus olhos.

Imaginário

Emoção que se desfaz,
Lentidão de nome de mulher,
Um aceno ao óbvio e o pensamento começa, 
A luz acende nova perspetiva, nova ilusão,
A morte pendurada em roupa nos estendais,
Desertos sei-os de cor,
A relva a crescer em jardins,
O Sol é magnifico neste momento,
São as flores que germinam no pensar,
O seu perfume é inebriante,
Nuvens coloridas num céu irreal 
E o sentido que troça, 
Delírio e fumo em chaminés, 
Casas de orvalho na manhã de Maio,
Estou contente com o nada que sou
Como citação de filme inglório,
As palavras servem-me dentro do meu coração,
São lúcidas, têm Q.I. elevado,
Em breve sonho que tudo é palavra
E eu não sou mais que seu imaginário.

Sofia

A Sofia lê um livro de Filosofia.
Sofia gosta de pensar no Universo,
Na revista do suplemento de Sábado,
No folhetim da televisão.

Entre enredos de amor ficcionado, enlatado
Desconfia que no teste vai sair a matéria
Da Crítica da Razão Pura de Kant
E talvez a Dialéctica de Marx.

Um cigarro à janela,
O vento puxa o fumo para o exterior
E Sofia pensa em tudo o que contém uma uma lágrima perdida no mar
E no rapaz do quiosque que de manhã lhe acenou
E ela corou.

É talvez a filosofia que leva Sofia a desfiar as palavras
Ditas em assuntos de raparigas nos balneários
Quando falam de rapazes, de amor.

Sofia não tem namorados,
Porque não quer ou a timidez não deixa,
Por vezes Sofia desconfia do amor, 
O que ela faz aqui sozinha neste mundo.

Sofia tira fotografias,
Sofia sente-se cordel,
Um bocado de papel
Que desconfia do papel do amor, na vida.

Sofia é como uma oração
Em que gestos, assuntos, temas e debates
Têm uma mensagem de louvor.

Sofia desafia o espaço,
Cordão umbilical da humanidade.

Sofia estudava filosofia 
E um choro íntimo,
Vindo das entranhas da ilusão dos seus olhos,
Rasos de choro,
Não compreendia que filosofia
Sofria do estudo de lágrimas 
Do mundo dos seus olhos.

Desânimo

Senti frio, gemi de dor
Quando tudo enegreceu,
Tudo em vão,
O que fui, o que sou...
Esta é a imagem de anos,
Mazelas, atritos, desmaios de alma,
A lua em cima e o pensar que já não atingia qualquer resultado,
Tentaram-me, perseguiram-me, 
Brutal sombra de pânico e horror,
Deitei-me em camas desonestas,
Sono atormentado, 
Fúria de mim mesmo
Nesta ambição de me erguer,
Soprei demónios, recolhi isolamento,
Vi verdades nulas em troncos de árvores vazias,
Acordei o pensamento em sons de animais estridentes,
Como é oco o crânio e o braço que nele se apoia
Nesta emoção de querer desaparecer ou de nem pensar,
Selei oceanos de mágoas dentro do meu peito,
O tempo, amigavelmente, depositou-me em sítios de desespero,
Inimaginável para alguns,
Mas cobri atalhos da memória em mais turbulência de sentidos,
Enganos, medo de olhar em frente,
A história é um facto que paira, não existe,
Rituais, desalento, miséria de ação,
Reação ao real,
Batotice de vício 
E um profundo desânimo por tudo o que tentei ser.

Eternidade de Meus Medos

Sem cor, sem fronteira,
Poeira de astros, horizontes de sensualidade,
Comungo o teu corpo, sorvo a vida, 
Destruída, estilhaçada.
Esta magia nos dedos, mãos massajando a cabeça,
Alisando o cabelo, pondo ordem nas ideias,
Ordem no alfabeto dos dias,
A miragem dos teus atos são ternura,
Pedaços de olhos turvos, a tua imagem.
Prometo-te, serei teu, ainda que não me entendas,
Ainda que longe estejas,
Desconforto e solidão,
O teu fantasma que afago no conforto da cama,
Lençóis e cobertores, almofada
Que deixo no teu lugar vago,
É mesmo imenso este fulgor,
Ultraje, ousadia, imaginação
Que perpetua a tua pessoa,
Na eternidade dos meus medos. 

Volta a Passar

Subi alto neste destino de nada ter,
A ambição como fogo mortiço,
Agasalho de estorvo,
Ingénuo vício de bem querer.

Em meus passos caminhos doloridos,
Conspiração de memória imaterial,
Infortúnio de remendo,
Desertos despidos e estrofes feitas de intempéries,
Horas de sono e instantes,
É sempre este voltejar, circular, angular,
A mensagem cega, elevador parado entre andares.

A saída nula, mórbida e o desejo de sobretudo regressar,
Nada presta, digo feroz,
Incoerentemente arrasto os pés junto a enredos 
Onde se prostituem as almas vazias, idólatras,
Fim de percurso.

Marinheiro sem eira nem beira,
O mundo é uma ideia
E eu vou acertando flechas em contentores de miséria,
Trazendo ilusões e semeando pistas
Para depois me erguer, perder, achar
No inconsolável sustento da alma que nem sei onde se encontra
E onde a poderei arquivar neste dia que passou, volta sempre a passar.