sexta-feira, 24 de novembro de 2017

A Peça

Sobe em cena a peça nua, 
O corpo dormente,
A asa escrita, 
A alma crua,
O ensaio de artefacto constipado,
A homenagem pré ou pós moderna, tanto faz,
A semi-breve súplica de pauta, rasto macio,
Mimetismo de olfato em horizonte de domingo em contra-luz,
A peça lenta, porque breve senão em harmonia de batuta orquestral
Na sala moída de silêncios e andrajos
E cimento nos cantos de fim,
Estátua adormecida e nunca estática,
Por nada que possível ou concreto,
Momento de horas tácteis
E nexos mágicos da cor de sonho quase reconhecíveis mas factuais
Como ângulos abstratos em papel pardo,
Como um actor que recria a história num acto,
Um vago cheiro bas-fond,
O piano, a cortina, o código morse.

Papel

Há um território denso e neutro
Na face de um papel,
Esboçam-se letras, imagens, teorias,
Um mar calmo de desejos, uma emoção perdida, um queixume,
Um mundo discreto e fundo na imagética lisa e branca da folha,
Do inicio e fim, na inspiração, no desaire e no estilo do poeta,
Na conversa entabulada como segredo ou enredo que rompe barreiras
Que foge a estereótipos ou cálculos aritméticos,
Pois a confissão normalmente é uma reza
Como imagem espelho, como calma lúcida,
Como algo em sintonia e áspero no tacto de perceber,
A história embevecida ou rude no sentimento,
Há várias leituras e o que ficou por dizer e o que se sub-entende,
E a metafísica escondida e a metáfora sorridente
E o que a palavra não alcança e tudo o que o leitor percebe
E o código e o adorno gramatical e a figura de estilo
E o silêncio e a cumplicidade.
São as faces do papel, a sua expressão,
O seu jeito de sorrir, nos acarinhar,
De fugir ou apenas se manifestar.

Composição

A sorte em vida, alma em luta desigual e crua,
A arma dos sonhos embevecida em utópicos jeitos carmesins,
Em delicados amanheceres púrpura e em trejeitos de subtileza
O corpo manifesta a sua onda de união ao que mais deseja,
A face pálida dos afectos, a alegre sabedoria, o concreto em sintonia,
Tudo é um passo face ao grito da estepe enquanto sorrimos,
Enquanto enredamos, enquanto nivelamos em movimentos de corda
E acendemos um cigarro no escuro acto de envolvente lâmina que ao longe sussura uma canção,
Ouvimos o som do piano da infância e sonhamos contudo no presente em teias de assuntos desiguais e alfabéticos,
Números incertos e sobretudo sobrevivemos enquanto caminhamos despidos de algo que rói por dentro
E navega em mares de planície e emoção que apagamos como vela e fingimos um outro eu.

A Verdade

A verdade é um enigma que sempre racionalizamos.
Mas porém sempre fugimos dela,
Há um magnetismo compulsivo ou omnipresente ou convalescente que nos obriga a ocultar,
A transgredir ou mentir, pois as contradições são a face visível do ser.
Posso ler a mentira ou o sonho porque o registo cruel me obriga a isso,
Há ambição no oculto, no faz de conta
E por vezes a isso se chama arte.
Mesmo em código o processo é semelhante pois as imagens fundem-se nesta linguagem
E assim supomos ou percebemos ou filtramos a mensagem subliminar ou não no aspecto a que nos concerne,
A imagem veste adornos e é simbiótica no assunto,
Pois é ela que veste o sonho e nos deixa voar.