terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Resiste

Esquece a história, a musica, a natureza,
Prende a vida, o amor em meu peito ansioso,
O verso maldito e tosco desprende a trova da cegueira,
Tentar, conseguir, subida marginal para cair
Tantas vezes até me encontrar em olhos que me lêem devagar,
A suave indiferença, o filme enrolado do meu mundo consciente
De sono e carros e espinhos,
A rosa murcha, o perfume irritado,
A ideia deitada no mudo gesto de sentir,
A cabeça ergue a janela quando espreita o menino que ri o mundo,
O menino ri muito para voltar a sonhar acordado em futuro,
Adormece a solidão, são horas de relógio,
É tarde para pensar, tudo frívolo na mensagem,
Ainda não surdo ao som, só ouço as consoantes da cara
Que respira o ar de chuva,
Sou lento, tragédia sem choro,
Talvez nadando em umbigo que prende
A vogal de espanto,
Talvez amanhã ou outro dia faça valer a pena o que ouço
Todos os dias, o gemido incolor de traição
Que afundo em coração que resiste.

Fim Imenso

É um fim imenso que tarda,
Um planalto, uma ave voa na tarde, desliza no ar,
Enternece o labirinto, mais do mesmo, intriga do espaço,
Uma menina imersa em solidão sonhando ventos, versos e embaraços,
O cabelo apanhado, uma triste menina, foge consigo mesma,
A melodia do acaso esvoaça, o ar embaciado de Verão
Como janelas soltas, perdidas em qualquer edifício de betão,
Não invento pardais nem queixumes,
Há um jogo dos corpos,
A maneira de sorrir, ténue e esparsa como uma vela acesa no acaso nu,
Escuro de sentir,
Arraiais de fogo, árvores concretas, matéria de luz,
O refresco da menina, o decote, o lamento de questionar
A altura do verso, a aguda margem das ondas.

Imaginar

A nota musical imita a rua distante e unida
Como se a nuvem e a multidão separassem a cor azul da rosa pálida,
No afago cor de sangue, na pedra semi nua,
Em lentos caminhos de heras e rios que cantam a imagem de lágrimas
A imperatriz tece a voz no processo reinante
De cair um gesto, uma incerteza, o fascinante desespero de rir ao minuto
Decidido no enredo de conversa rasteira como uma flor e um azedume,
Uma luz que interroga a luz de futuro no mar que decide
A passagem do tempo no labirinto da estação embutida na calma de acertar os olhos em relâmpagos
Que equacionam a forma matemática e geométrica de risco numa parede de hospital
Embriagado de lume e matéria de exames sempre vulgares
No ambicionante e desligado sonho,
Na cara neutra e sempre perfeita no momento de dizer azeite ou cão,
Contrariado no dia que segue em frente e liga o mundo na seta
Deslumbrada do humor que finjo, destino deserto,
A luta de acertar as letras como almofada
Que descanço o cabelo de forma a ser sempre dia mesmo de noite
Ser cansaço diurno que rompe o trejeito lunático de sempre imaginar.

Ambição

O pobre coração cortado em ferida,
Atado sobre uma cruz jaz a sombra, a emoção de cordel,
A alegria de cantar bêbado a um Deus de memória
Que reencontro a cada esquina do passado que arde no pensamento,
A onda volteia como imagem sempre crua
Impressa em mão que escorre todos os dias e mais rosto de signo
Que lanço ao encontro e desencontro de algo que pressente
A mesma conduta, a mesma acção de papel,
És uma ficção de nariz, uma nódoa de giz,
Um filho de vento amolgado
A um sentimento que resiste ao amanhecer,
Há muito a conquista resiste, há uma década
Nasci e morri tanto e tão pouco
Como sempre na ignorância de um gesto inalcançável
E sempre actual de te dizer em segredo que a luz
É uma força que vence a dor no peito tão dentro de nós
Que um segundo faz a eterna glória de sentir que tudo é real
Quando acreditamos que tudo vale a pena.

Pedra Exacta de Existir

Soluço e espanto , 
A pedra exacta de existir,
Mudo e calmo como uma serenata de luz embaciada de teatro,
A fonte do medo dissipa a vontade do gesto embriagado, 
Em beirais de trigo amanheço, em sonhos desvaneço
E um arco de momento como um rosto que passa e sorri acende
A planície de acenos triviais, concordatos e plenos de
Sentimento, de fuligem, de ar rarefeito,
Neste banco sento-me e neste instante morro em fantasia
Porque nunca existo senão no que acontece no acentuar da exclamação
Do que sinto e não sinto,
A face mórbida encerra o ato de três pontos colado em palco
Na cena de sinais e leques como um objecto de estanho em qualquer
loja de ocasião,
O relógio, um compasso, um rato, uma espera,
A treva e a Primavera,
A outra picardia do verso em relevo
Na veia saliente
Que faz frio no outro lado do espelho.

Momento Perto

Já desce o som, o vago oco da madeira a estremecer,
Um sentido marginal de endoidecer,
Haste a meio tom no preciso segundo,
Sim, trago o rosto incendiado, a mão rasto de batalha,
Uma mulher, vestido, o olho milimétrico,
Uma orquestra do olhar sempre atento,
A imagem surge neutra no registo intemporal,
A nuvem arrasta o mar na cauda comum,
Sou herói e um desejo real nisto,
A penumbra, o ponto cardeal, a irrisória melodia do ser,
Aceno de multidão na praia do grito,
A surda metáfora de ousar a ilusão,
Aprendo o ardor do vento,
Cárcere de almas robustas que desprende a fronte,
Ávido de ouvir e ver o assunto emancipar-se,
Assim, calmo, solene e sem nada
Como uma aldeia de musgo no parecer,
A face invisível do deserto
Que move o momento perto, áspero, fútil.

Processo

A Noite faz a manhã 
E em fantasia movemos palavras em segredo, 
Murmúrios de silêncio, 
A imensidão surda, suada, desunida,
Os passos como faces na casa de cor neutra,
Em desenhos de muros de sangue,
Calcular a margem de perder o sentimento
Ao mundo,
Calcular sempre algo que está embaciado, na nuca do verso,
Espírito desabrigado prende-se em trajes negros,
Amanhã corromper a imagem que funde a meta de transporte,
A voz que rasga a luz,
O magnetismo de filme, simbiose,
O piano de sombras que arrasto traz a superfície
Ocular no presépio das cores gastas,
A voz calou-se no íman de luz,
Processo calmo esta melodia lenta,
Esta face, a máscara dos enganos planos de presságio,
Contar o movimento, a ruga, o vascular processo
De acenar ao contínuo processo de morrer.

Nada

Nada é superior ao encanto da expressão, conteúdo, semântica e processo do teatro do ponto de interrogação.

Quotidiano

No silêncio uivando vento
Nada importa, a melancolia desajeitada,
A roupa da manhã embriagada,
Faz frio no momento,
Na calma do segundo residual
Passando a melodia,
A trágico-comédia
Assinando o processo
Lento, assimétrico, pessoal,
Sem face, sem passado,
Como um carro, foice marginal,
Campos abstractos,
Pontes e riscos, o gesto de todos os dias,
Calendário de emoções, drama sem palco
Apaziguando a dor
Do corpo debitando palavras
Em bares de todos os dias,
Uma bebida, o álcool, as horas emigram,
Os mass-media, electrodomésticos e luz perene,
Exércitos de corpos dolentes, vagos como imagem distante,
Como ondas, bandeiras movendo-se em liberdade amordaçada
No quotidiano de céu azul.

Macio de Pena

A mão sussurra o papel no macio de pena,
A escrita momentânea traduz o fecundo segundo de ausência,
Um embutido de planície no móvel de estrada,
A face dos desejos ainda desesperando,
Ainda fecunda, reluz a mão e o assunto da forma,
Verso aritmético, um tique morto,
Uma luz, tudo um projecto, uma saliência na cara,
O deserto, o entrudo do corpo,
Normalmente, no precipício da forma de cantar
Surge a alma como uma linha oblíqua.

Livro Plano

Em dias que encerro o livro plano das palavras,
A certeza de ser dia e noite e uma estrela que sorri
Nem me convence que, por vezes, é cedo a confusão,
É tudo momento pardo e calmo
Como uma solução arrastada ao limite
De ambição do escuro,
Entendo o que revejo, assim, encimesmado,
Ainda resiste o conceito, ainda mais razão e justiça,
Tudo em ordem e sem demoras,
Porém, é certo, tudo é quadrado e falso, aparente,
Quando o resultado é triste,
A noite aumenta, resiste, inevitável
Á margem de manobra, ao acenar a prosa dos dias
No movimento das ondas da praia que longe fico.

Nada É Suposto

A emoção tardia no ar de te sentir distante, parada,
Neste jeito ténue de mosca, pardo e meigo,
A essência de embaraço como um jardim ambíguo e calmo,
Nossos passos lentos, juntos, calmos em forma de nudez,
O presságio de canto, o cisne tosco, embaciado junto de mim,
Nada já vive dentro de mim, um jarro de memórias brandas, fuga de beirais
Ao infinito de alma,
Restando a onda, a luz que acalma, o riso,
Lento, guerreiro parado num canto de imagem, circulando a face do gesto,
Quando paro, quando o teatro resiste,
Quando a mão é gesto e traduz
A descontracção de rasto de paisagem ainda distante.
Nada é suposto, respiro a calma e a mão desliza cansada de tacto e afecto nu.

Teatro

O teatro são todos os dias.

Palidez de Maio

E depois tiraram-me a palidez de Maio,
Ao de leve, esvoaçante paz de Abril,
O sorriso da estação nua,
A fronteira quebrada em meus braços,
A miragem estendida, olfacto em quebranto,
Rege-se o desencanto, o ar tumefacção,
O corpo cinza em sangue encoberto de dor,
A batalha do fogo raso,
A influência do nada e vazio de nada entregue em nós,
De nós sem eu e eu sem nada no que sou
Achas do convés que acena a razão,
O navio parte em maré, não regressa o navio,
Fechado, mudo, marginal e semi-breve,
Entoando a face dos afectos encenados num esgar,
Numa alegoria em três passos de desfalecer.

Indefinição

O indefinível é incomensurável no sentido expressivo,
A quantificação do número infinito de fim é um regresso
À ideia de processo sistemático, matemático, inclassificável
Da probabilidade se estender ao sempre incompleto momento de aparência do conceito
Imutável, lento e complexo em se definir como um pronuncio de gramática
Ou tabuada que se esquece no tempo, no momento ou nunca se esquece,
Porque a certeza dorme inquieta em ciência de experiência
Que acrescenta a novidade e de novo qualquer coisa surge
Diariamente pois se transforma em progresso e conforto,
Em problema e interrogação ou um contínuo improviso
Porque os problemas surgem e de novo as soluções também se adequam
A sentir que realmente conseguir o enigma é um fado que persiste
Na escada passageira da irrisória conclusão.