quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Muralha de Alma

Para lá da muralha de alma
A ambição de luz,
Agita-se o vento ao passar, a erva molhada,
Um animal preso,
Um oceano de palavras que se estende ao fim de dias sem dor
Como se ao raiar do dia um sorriso de esperança abrigasse
No regaço materno cada lágrima, cada dor
Da estátua indefinida de todos os gestos,
Todos os desejos,
O som rente ao sabor da maré,
Um silêncio de morte, cruel de fantasia
Tal qual um circo de faz de conta
Ou um cavalo alado de papel.

Riso Fúnebre

A celebração do eterno adeus
Neste desaire de espírito de madrugada de fuga
Num acordar de conhecimento lento e sempre novo
No processo de mostrar o que é real
E o que sobeja de nós.
O Outono estival embriagado de rosas e musgo das paredes de silêncio
Faz-me feliz como algo que traduzo ao observar
As gentes, o mundo, isto que me rodeia e volteia como nunca esqueço
O que vivo e semeio e colho de magia impressa em mim.
Ainda os pássaros da juventude de cabelos esvoaçantes
Na luz de dança como caminhasse degrau em degrau
Na passagem da memória eterna
Que jaz em minha mão de areia,
No meu corpo diluído,
Na face de ouvidos, nariz despido
Nesta manhã de vento que cumprimento
Em suave deslumbramento a posição de união,
A posição que entra sem convite, ensimesmada e sempre actual
Ao riso fúnebre e tosco como imagem de um sentimento.

Mais

Mais uma ferida, um corte, mais uma imagem,
Distância que se faz perto na minha imaginação presente,
Transpiro ritmo, um silêncio de luz,
Não sei definir luz, pois é a alquimia do vento
E se transforma em momento, em calma, em tempos,
Quando a filosofia dos corpos reproduzem corpos calados,
Quando a matéria do som emana de espírito,
A viagem faz sentido embora só,
Embora sôfrego, embora mendigo de mim mesmo,
Adivinhar o passado caótico e demente em simbologia de afectos
Que imagem tem o amor que cai,
Qual o momento do amanhã virtual e embriagado
De ser e não ser como filtro de causalidades, riso convalescente
No imperativo que não se cansa,
A força que não pára,
Remos e gritos e paz e conceitos,
Encontros desiguais no gesto de parecer igual,
O ritual de ser uno dentro do espanto,
Ser único e lento e mortal, delirante
Como regresso ao fundo de tudo em mim mesmo.

Maestro

A fumar em silêncio, noite, musica, algo perdido,
A noite maestro indefinido das emoções,
Há sempre azul no céu onde se canta tudo o que não alcançamos
No degredo, no desespero, no cume do Ser,
Na face oculta, o deserto da cor pálida,
A noite desce como uma folha que cai,
Embriagado de assunto, de afectos que restam,
Um sonho de leveza como o sorriso distante do fio de prumo,
A tapeçaria da luz, o papel de gato,
Durmo um papel, um sinal,
Talvez acorde como sentisse um outro alguém
Na minha máscara,
Teia desunida e lenta de fim de sonho.

Erguer o Vento

Erguer o vento, ver o lamento da cor,
Sorriso triste e breve no fim do fundo de uma garrafa apagada
Já num lamento nocturno de uma passa de cigarro.
Que som tem o som de dizer e não dizer,
A palavra imita a narrativa de momentos e trejeitos e enredos
Que barafustam a ambição de gestos pálidos e embaciados que prendem
A manhã gasta na cabeceira da cama e carne presa em assuntos.
Ainda enigmas e químicos e astrologia de deitar fora,
O lixo que foge nos meus pés,
Fazem curvas, linhas, ondas e travessias sem sair da cabeça
Ainda que anda nos passos sempre de imaginar
Ou não existir como anónimo filme sem causa ou efeito,
Apenas rosto e um presságio de sorriso
Que semeia um sinónimo constante e actual como quando inventamos um limite e uma regra
Que existem como tudo o que existe e vemos e farejamos e sentimos
Em frente a olhos e filtros lentos tácticos e suspeitas leves
Sem ousar a morte ou o fim de sonho.

Labirinto

Foi verdade mesmo mentindo,
Foi certo a incerteza,
A coisa incapaz, o meu corpo ao vento
Como nuvem ou deserto,
Ainda pranto, fugaz labirinto,
O espelho incerto que veste de sonho e quebro em ritmo,
A álgebra de sonhar, tão levemente como pranto nu
Fuligem de rasto, pés convalescentes e animais
Que farejando a pele encontram cicatrizes de noites embaciadas em cinzento delírio,
Bebida destilada de cair morto ao fim desencontrado,
Ainda nome, ainda emoção que sobe momentos
Que enfim dorme, dorme, silêncio, dorme.

Silêncio Amordaçado

A imagem sopra nos dedos famintos
Da manhã de me perder,
Trivial como um festim nu em momentos de choro,
Mágoa pálida em processo militar que olha
Que rasga como folha, como Jesus na cruz,
Vejo um corpo, vejo uma flor,
Sento-me e examino um insecto,
Que impaciência respirar ou acordar sempre em rituais
Que dispo para poder voar,
Para apagar e não ser eu,
Para ver além ou perto, tanto faz,
A alma decifra o papiro no silêncio amordaçado.

Árvores de Infância

O sonho começa tarde e despovoado,
Cabelo ondulante na manhã de vento,
Em breve descubro o medo e o refugio na dor,
No encalço de mim mesmo,
No delírio fluorescente e concretizavel
Na fuga, na cor neutra, na imagem que afago,
A pétala que desfolho em meus olhos
Na imensidão de adeus.
Breves trechos de silêncio que, por magia, vou apagando,
São escadas de minutos breves que desço subindo e morro,
Noites apressadas no leito que traduz a paz
E o enredo que descansa a imagética de conto,
Pardais lentos na face da almofada,
Em campos irreais de corpo inteiro
No açucareiro, no café penteio-me
Em vão contando palavras e assuntos
Que restam como frutos em árvores de infância.

Noite Fria

A noite fria, treva de minha alma
Vem descendo crua, curando feridas pálidas 
Na face da madrugada, destino de cada um.
Em breve um sopro de vento no trompete imaginado
Acorda cada sentido, cada gemido,
Um passo de dança no sentido de lembrar,
Como se o dia tivesse memória
E a memória um poço de sabedoria
No enredo perfumado do seio de uma mulher.

Espiral do Sonho

A espiral do sonho inspira à acção,
Faço um dia mergulhar em noite,
Faço a maré respirar a cor azul do mar,
Até ao momento pardo o pano ergue a ilusão
E então risos e corpos despidos, figuras ritmadas e silêncios escuros
Pisam a cena que me rodeia até chegar ao limite,
Então embrulho o instante fim
Como um lenço de pano no fundo da algibeira,
É sempre de noite o fim e nunca há limite no infinito de si mesmo,
Na impaciente maneira de gritar ou gemer palavras demoradas que caem como adereços,
A palavra imita-se em si mesma pois é um complexo jogo de xadrês
Ou piano que sopra flores nos ouvidos que espreitam as flores
Que esperam o fim, a estação do mocho,
A delícia do espelho,
O hábito do jardineiro que semeia vento fora de janelas penduradas em corpos semibreves de tristeza.