quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Ambiguidades

Um carro é veloz na minha mente,
A emoção que vai do sentimento à razão
Diz-me para parar,
Pois tudo é já impressão de tudo ser fugaz
Como um automóvel que corre veloz na estrada.
Eu parado, tosco, indecifrável como chave
Espero por esquecimentos,
Por redenções e barulhos meticulosos, ardis e científicos.
O espaço tem estrelas como me não lembro de noites,
Ossos, futebol dos dias na manhã clara
E em Jesus Cristo.
A repetição é uma dúvida,
Certeza é o deslumbramento de olhar o nítido vazio,
Isto que é agora.
O trivial reside na mórbida concepção
De saber tudo isto e não sentir
Que alguma coisa valha sequer uma palavra.
Claves de sol em pautas nuas,
Corpos despidos,
Letras tristes,
Cascas de frutos
E ontem o delírio é ritmo
E já nada desejo dizer
Neste desdizer de mágoa,
Pranto das palavras ásperas
Na hora em que o olhar na parede
Adormece com suspiros,
Risos coloridos
E ambiguidades.

História do Sono

No domínio da linguagem,
A vertigem do abecedário,
Sanguessuga do corpo e imagem
E o espírito é um cata-vento do invisível,
É o cinema da interrogação,
A percepção de chuva no âmago das palavras que arrastam dramas,
A fotografia não é estática,
É a pornografia dos dias,
Amar é a história do choro.

Mentira

Na minha cabeça ergue-se o Sol,
As paredes de grafittis dão pistas ao deambular esvaecido e anónimo,
Há muito que aqui estou perdido e encontrado,
A cidade é incerta e respira como um asmático,
Os meus amigos sorriem em imagens e olho um contentor de lixo,
Difícil arrancar o ritmo, arranjar o som de uma janela fechada com um gato que espera,
Perdi o vício e só de monotonia me arrasto,
Lamentos de jaulas em Verões de Outonos em Paris,
Desde que fugiram as palavras dos livros de filosofia,
Kant e Marx fizeram queixas de máscaras
Em redor de utopias sem razão,
Por vezes lavo livros numa bacia com detergente,
As células, há frases e conceitos
Que são lavados no meu pensamento,
A erva da manhã precisa ser aparada nos sentidos ainda sonâmbulos de placidez
E a imitação desordenada de momentos
É como intriga de cama por fazer numa pensão paga à hora,
Talvez desista de transformar, de regenerar,
O pólen e os ponteiros do relógio são a metáfora da simbiose,
A mentira ainda caminha veloz e não há tempo real em meus sentidos.

Momento Parado

Foi isto a maneira exacta de momento parado,
A cabeça move-se em sintonia em corpos dispersos,
Semente de ócio e tardes lentas
Onde cansaço é vida e vida é uma paleta de cores já secas no retrato de meia noite,
Se escrevo o retrocesso vejo o mundo em progresso
E eu estagno em dor.
Andei muito, tão intenso,
O coração extenso e a solidão um barco no mar.
Ainda esqueço e recordo,
Ainda não sou completo em minha ingenuidade,
Tantos exames, tanto sonho,
A corrupção do mundo é a verdade
E ainda não desisti de calar,
De representar e esconder,
A mágoa não é perceptível aos vossos olhos,
Só eu entendo o horrível
E o imenso desespero de ter os olhos rasos de lágrimas
Em ondas de mar que ouvem os segredos da noite escura.

Rigor

No grito de liberdade
Ainda moribunda e tardia
Desço a cortina da janela para ver alguma luz
No meu sono desenhado
Num livro de sons oblíquos e perpendiulares como barras de estatística.
As roupas dormem desde ontem
Num emaranhado a um canto do quarto
Que apanho vestindo-me,
Peças de dor, calor, desdém.
Acendo um nocturno verso de cigarro
Na palidez da manhã,
Tranquiliza o monótono ritmo das palavras
Que em nada traduz o sabor de mel ou melão
Ou pintinhas verdes em fitas de cetim no vestido inocente das crianças.
O sonho que tive foi qualquer coisa trivial
Como a minha eterna modéstia sazonal
De vasculhar livros poeirentos em feiras
E ruas onde varredores tiram o lixo acumulado.
Tenho um detrito indolor na cicatriz de acção
De me envolver no secreto canto de sentir
Que o olhar é uma imagem tantas vezes
Como já conheço os meus passos amarrotados e as pessoas
E distribuo sorrisos acometidos de rigor.

Pobres Dementes

O meu sonho de veia que trepida,
Ao longe vejo o pensar como exame de consciência,
Aquilo que é invisível não me podem roubar,
Os doutores das palavras que semeiam ventos,
Os astros da imagem
Morrem a cada instante na lápide de meu nome,
No futuro que é meu
E cada socorro, cada grito
Serve para lembrar que a alma a mim pertence,
Do corpo os carrascos foram arrancando os pedaços
Que perco com um sorriso,
Pobres dementes.

Cambraia

Na memória de pele expresso o recordar,
Trágica a ambição de mimetismo e injuria de papel impresso,
Já a luz é um pavio na vela de noite,
Escurece tardia em mim.
Lembro a dança de cores e amores
E na mão de toque de seda na parede
Como algo irrealizável e que animais pressentem apaziguando o choro,
O navio passa ligeiro, passos ecoam na sala de antigamente,
O bem estar chega como refeição de mendigo na noite de solidão e faz frio,
O navegante faz o trajecto demorado, certo e errado,
Um pente de madrugada, uma imagem que fica,
Ainda aponto o dedo na carne quase morta de deslumbre do bafio estridente de luz.
Apago a dor nos olhos,
Faço a luz soluçar
E o corpo é um órgão de orquestra,
Desajustado na cambraia de nome de poeta.

Conteúdos

Na solidão impune minha mão leve e planetária
Ama o gesto acariciando rosas e bandolins,
Num dia sofri o desnível de ser tudo o que sou,
Noutro adormeci os anos de sono que só eu percebo,
A angústia é a mensagem num envelope sem remetente,
Sem endereço, escasseia a definição e os juízos e símbolos tacanhos,
Não quero os estereótipos, nem bandeiras, nem o bem ou mal,
Nem desenhos de minha face na podridão da noite calada
Que empurro, esmurro, esventro-me e contenho o delírio de enredo
De a fantasia ser uma cor ou uma flor ou um percurso indecifrável
No verso de manhã num café, numa esplanada,
Nas motas que passeiam,
Nos afectos escolhidos como trigo numa eira sem beira,
Numa ausência de corpo por sentir frio e desgosto
Por tudo o que não disse
E sinto que a aritmética, a fonética, as melodias, as lições
E todos os rituais são uma vassoura que varre conteúdos
Para debaixo de um tapete que nada transmite,
Apenas esconde.

Surrealista

Hoje as bocas eram monótonas na manhã como seda de palavra solta,
Havia um desejo de surpresa de querer abraçar o rapaz idiota
Que vendia raminhos de afecto envolto em algodão de sentimento,
De repente o susto acalmou em momento de pranto,
A nulidade chegou como aparição sagrada,
Sobretudo o desmaio da questão era a ordem de imagem
Que ouvia no longe do meu pensamento,
Percorri muitas letras agora,
Por vezes não é fácil
Trazer sentimentos em letras que transmitem espelhos de ouvidos e coisas de coração
Que artérias ou orgãos do nosso corpo não entendem,
Contei uns tostões nos bolsos descalços.
A telepatia da sociedade rupestre em que me insiro
Disse em código morse, que só eu entendo,
Que tinha de ir para casa
Porque a ambivalência e o concreto
Ainda eram monótonos,
Ainda a esperança era um desenho tosco que adormecia inconsciente
Ao meu andar, assim, à deriva
Nas migrações de chamar o cão porque morria o significado
E a manhã ainda tremia.

Abraço

Arrasto o sentido de sentidos doloridos, enredados,
Em um dia vi a imensidão se tornar em pequenez,
Vi o dia escurecer como eclipse de alma,
Vi tanto e tão longe que fechei os olhos ao sonho,
Estando aqui presente é como uma ausência,
Uma anedota gasta, um riso de lata,
Trouxe personagens de um circo irreal,
A magia de tudo ser normal e extraordinário como papel de actor secundário
Ou um trono de ficção na calada da noite,
Não penso, talvez pensar seja matar,
Tédio de confissão marginal
E tudo ser um caminho que circula na via rápida da emoção,
Da leitura, de astros decadentes
E imagens de mercadores de olhos que me fixam de alto a baixo,
Corpo de símbolos que aumenta como numero,
É insensato falar do tempo
E como o tempo se gastou sem rumo certo,
Perdeu memória e vende futuro num abraço de eterna saudade.

O Que Poderia Ser

Estes tempos são a meditação de ventos
Trazidos de pescadores, de superstições,
De interrogações e lírios demorados,
A nobreza de sentir e fluir,
A imaginação é o fruto de árvore colhida na madrugada 
Dos sete ofícios de nada ser nada
E pó ser o amanhã abrigado de melancolia numa estrada.
Encerro um episódio, uma festa, um endereço,
Trouxe-me na gratidão de um desespero,
O riso é a fonte de um lamento
E perco o rumo e disperso as cores
Ofegante na expressão de olhar em frente
E saber que tudo é como um sonho
E o que sinto é o meu tesouro
Fechado nestas linhas de imaginar ao calhas
O que tanto faz
E que poderia de uma outra forma ser.

Estátua de Loucura

O novelo desfia traços concretos
No desenho de personagens,
Irreais nas suas figuras desconcentradas
De lápis que esforça o olhar embevecido,
Um esgar de memória, 
Um trejeito de harmonia,
Na glória de se esforçar,
De cumprir o papel,
De se mimetizar, transgredir,
Ao de leve, um faz de conta,
Um sim que significa,
A outra face da metáfora,
Do discurso que no papel nasce,
Um cambiante de dor e humor,
A alegria de ser figura e boneco,
De ser o provável ou um gesto,
Um rumor de penas e insectos,
A estátua de loucura na mão de um poeta.

Letárgico

Tarde, relógio da emoção no pulso sem vida,
Senti desânimo na minha face de desinteresse,
Li os jornais como fotocópias de árvores que morrem doentes 
Na ânsia de esperar,
Rompi o silêncio mesmo sem proferir uma palavra,
Olhos, demagogia de sono e trevas em pedras,
Há uma saliência e um perfume de um livro,
Um andar cansado e vértebras encurvadas na calada da noite mórbida
Que chora o regresso de D. Sebastião,
Geme a sua solidão
Em que habito na morada demorada,
Sopra um vento desordenado de letras de penugem,
Esta maneira embriagada de esconder a luz,
De fugir de nada,
Alcançar movimentos descoordenados
E máquinas que ruminam paciências
No escuro,
Vou pregar mais um canto,
Mais um susto e dormir,
Letárgico, no sono eterno de amor.

Tempo

No ar, ainda com uma certa humidade e frio,
Respirava-se o bom senso 
E as intrigas dissipavam-se na geada das plantas,
Fiquei preso no tempo como discurso maníaco de ansiedades
Como um voo de andorinhas ou andar distante dos animais que rastejam,
Fui cumprimentar o senhor que me sorriu,
Fui abraçar o momento,
Despi-me na mão que apertou a outra mão,
Ainda cansado desta vida revi o colo que aconchega,
A transferência de sentidos
E um afecto que digeri num café,
Estou alerta para o ritmo,
Há uma orquestra nos meus dedos e em minha alma,
Sonhos de amor e uma letargia de pressentir o que acontecerá
E o que já foi
E o som da indiferença
Que é já uma rotina
Quando personifico a energia de calor
Ou o sabor de derrota
Na impaciência da palavra
Que surge como emprestada de um tempo que se avizinha.

Meu Nome

Sempre tive, digo agora, medo
De me apresentar,
Dizer o meu nome,
A minha idade,
O que fiz ou o que faço,
Pois eu não sou eu senão o conjunto de coisas
Que me contém,
O meu nome é uma ficção invisível
Como oculta nos olhos de quem me olha,
Sempre tive medo de mim,
Há uma força ou energia que não decifro
Quando não sei responder o que sou,
Tantos sonhos, tão idiota fui,
Tantos braços a erguer-me na vitória
De me saber assim excluído de ser quem sou,
Não sou um nem o que escrevo está correto,
Pois poderia ser outras palavras,
Poderia ser personagem, cartoon,
A história de um príncipe sem trono,
Um louco sem esperança
Que grita convalescença,
Onde me leva o meu eu
Senão no colo adormecido
De alguém que me lembra,
Talvez esqueça,
Talvez eu vá acordar o sonho
E adeus a todos é apenas
O que desejo dizer na ambiguidade
De sociedade que sei que respira,
Que me abraça no eco de um lamento,
A emoção é a minha cruz de me saber
Vivo e presente
Em todos os que não me esquecem
E eu não esqueço ninguém,
Guardo todo o bem e também mal
E tento ser melhor que ontem
E o futuro repousa em meu nome
Tão meu como tão gasto
Na impaciência de o saber de alguém
Que o encontrar por acaso
Num atalho de vida,
Numa memória, num vão de escada
Ou na face de uma criança,
Guardem o momento,
O significado e o sinónimo
E noite e história ou desejo,
Murmúrio ou choro
Tal como eu faço todos os dias.

Paz e Conceito

Engraçado este jeito de melancolia como pranto,
Como serenar de alma 
Ou luz azul num corpo que dói,
Trágico punhal de madrugada cinzenta,
Arrasta o movimento e as vozes nas árvores de cal,
Num dia vi o castelo arder,
Vi o limite e o canto,
A festa de sabores da carne,
A luz é um instrumento de tortura
E permaneço apagado no instante de lucidez,
Na majestade.
Grito a paz e o conceito,
A tarde que enterro os pés no lume
Que aceno um segundo como riscar de fósforo,
A impotência de liberdade nesta droga de convalescença,
O fascínio morreu como cruz
E já não interessa o riso ou o que entra ou o que sai
De mim,
De meus corpos bonecos de alma
Que transpira imagens
E amaina o navio como pavio de vela
Na cama desatada,
Na televisão enlatada,
No império de sentidos e pecados,
Nas cadeiras de veludo,
Os nomes são uma circunferência ao trágico momento
Que faço de conta como julgamento
Que não decido,
Não voto e emudeço ao verso,
Ao soco do momento intruso
E escapo com vida,
Impune como mundo que gira,
Como papel de actor que morre em cena,
Na cidade de vento e sons e um suspiro de gramática
Que gesticula ditados e ditongos angulares de transcendência e sublime.

Eternidade

Como é mágico o acordar dos sentidos,
Abrem-se os olhos na penumbra de noite e nascer de Sol,
A subjectividade do crânio e o sonho que morde o espelho cansado de imagens,
A certeza que posso ser feliz e uma nuvem treme de dor,
De tudo o que vi um mistério ou enigma, 
A manhã abre-se em flor na saia de uma rapariga que morde conceitos,
E sei que não torno a viver,
Sei o meu fado cansado,
Sei-o de cor e sei as silabas
De poema que se transforma nas horas,
Instantes de pensamento que dou, inocentemente,
Ao leitor para ler o sistema de regras,
A escura e imagética linguagem de olhos que coçam as palavras
Como formigas de enredo,
Trabalham incansáveis carregando a sabedoria de esperança,
Tal como os pássaros cantam e os ratos fogem,
A poesia é mais que verso ou conteúdo ou significado,
É um conjunto de um ser dois e dois ser mais que tudo.
Ninguém traduz o olhar doente de um animal,
A escada de flores e a maldade de acidente
Provocado na marginal face de perdão que carrego
No decorrer de uma eternidade.

Ousadia de Escrita

Hoje a escrita é um acessório,
Um braço de nós, rosário de imagens,
Um cabide de armário,
A escrita respira rosas,
Um vento do Norte traz notas de música, 
Lamentos de serões,
Papéis de angústia,
A tarde lenta de pensar no que é o corpo
E um muro de lamentação nos versos de agitar a peneira,
Saciando letras, dores de progresso,
Alma incolor no caminho de ir,
No trejeito de barafustar,
A espécie desajustada,
Imaculada memória de sentir a liberdade
Como um processo lento, demorado,
Sei de lições e serões e sarna,
Sei de tudo e nada,
A conquista de felicidade no sopro de um balão
Que voa no regresso de medalha,
Nada é válido na moeda de troca,
Na malícia de um policia,
Na toca de um pássaro lúgubre, desajustado,
Já não quero o significado e torturo talvez o semblante
Na face de objecto e
Sacrifícios de pedir a musica,
Pedir um faz de conta
Como bicho doente
E podem apagar a luz,
Nada é o que fosse
Na ilusão do que poderia ter sido
No silêncio de uma saudade,
Na ousadia de escrita.

Não Manifesto

O lado negro de uma viagem,
A milhas do pensamento,
Na génese do que nos tornámos,
Ingrata miragem de planos e gatafunhos,
Há um mágico chapéu e um incontido sorriso,
Na farmácia de serviço uns rapazes faziam malabarismos com barbitúricos,
No oceano Índico uma ave escorregou dentro de si,
A manhã desdobrou-se na tarde lenta e no tempo que escasseia,
Um café que traz lucidez e um freguês,
Todos os anos é Natal na impaciência de um grito,
Trouxe um inconformismo no meu parecer,
A luz de trevas ou luz de cores,
Mecanismos inconcretos,
Ciências em becos escuros,
A dor de solidão, de dádiva, de ser inumano,
Não ser gente,
Fechei o pensamento num saco de pancada,
Heis que tudo é inglório na tristeza que tudo perde,
A condução de gesto
E um desejo não manifesto.

Acordar

Tantas vezes surdo no eco de um soluço,
Sereno em ondas de emoção tardia,
De passear,
De me encontrar,
Perdido em multidões,
Gasto entre esmolas de ambiguidades,
Enterrado em memórias, antiguidades,
Cansado de olhos e cruz que arrasto na imensidão de transformação,
De um gesto ser não
E perseguir o lamento,
Enredado no sentir e não sentir
As horas de existir,
E demente
Quando nada é capaz e tudo faz sentido
Por instantes de mil expressões gastas num segundo,
A pele não chega para corpo,
A alma interroga o ser
E então o álcool de madrugadas,
As danças de angústias
Trazem sonhos
E palavras no vento da condição trágica
De acordar de sonho.

Som de Marioneta

Ter e dizer, ocultar, temer,
Verbos que param, escutam e olham
Na distância de sorrir ou amar,
Ler ou ignorar,
A simetria de aparência que nos olha
Numa estante de poeira de biblioteca,
A semente de vicio acalmou na madrugada de afecto,
No jogo de capacidades abstractas como raiz de planta.
Ainda uma estrela brilha nesta imensa noite
Que transpira, emigra ou geme
Como silêncio de negrume,
Acaso de saudade e caminho,
A tradução sem nome do acaso da probabilidade
Da metafísica de corpo que baloiça
Nas páginas de ordem e rigor,
A prosa de sentir a poesia
Como letras neutras
De dizer o que o real nos indica
Na essência de nada dizer e tudo não ser assim
Como um risco numa parede
Ou um som de marioneta que apaga o sonho.

Nunca Apaga

O Inverno de palavra que chove
No sentido de fazer frio
Na memória branda.
Na veste do andarilho
A pele é ainda Outono
E o amor fechou portas no night-club
Dos olhos que choram,
Na graça de um lamento que morre no desejo,
A página de um livro inculto encerra
A borracha da primária,
O apagador de giz que já não faz contas.
A importância mede-se num filtro de emoções tristes,
A dimensão de uma régua que arrasta um susto.
Amor ainda não encontrou a definição
Da manhã e as núvens
E o dizer das palavras cinzentas,
Morrem na angústia de se cansarem
Ao se recordarem do dia que passou
E o futuro aguarda o suspiro,
A manhã em que somos vício e sopramos letras
Para dentro de corpos
Descobertos e apagados
Na manhã inacabada,
Na manhã ainda por inventar
Que nunca se apaga e nunca se esquece.

Progresso

Se nobreza e ambição,
Se ficção e cabelos negros de crinas e montanhas,
Se um oceano de nuvens trouxesse o mar,
Se talvez ou nomeadamente, sobretudo e porém
Trouxesse glória, 
O meu nome seria uma forma de entender o que não disse
No vago momento de desdizer o sentido
Da origem de uma pena,
De certeza ser um rosto que chora,
Um vento que emudece,
O vestido de serpente que costura a impaciência,
A voz do objecto e do regresso,
A imagem de santos e cantos,
O espelho que não faz sentido no olhar de químico
Que mistura a alma a um provérbio
E o reclame decente apagou o voo de olhos
E o progresso vem com a machadada de som de sino de igreja.

Desatinos

Decifro o papiro do imaginário
De um dia que luz e silêncio é som de autocarro
E vozes de plástico como corpos nús ao longe como vazio,
Delírio demorado nos problemas de equações de álgebra de bolsos apagados,
Lábios serenos e pálpebras de braços,
Olhos azuis e um encantamento,
É um amanhã de noites e gritos na minha cama
De registo,
Apago o sonho e solidifico o corpo,
A imagem já não importa,
Já não corro estores,
A música sangra no espírito,
Nas letras de desunião e os enigmas,
Desatinos como escuridão,
No caminho que traço na manhã transfigurada de esboçar um sorriso.

Murmúrio Destroçado

Em portas e desníveis procurei a memória de teu nome,
A inocência de máscaras de brandura,
A face cálida de um beijo,
Na lonjura de te imaginar neste presente de saudade
Esvoacei a mão de perdiz no espelho de osso,
Calma e um desejo como negrume e som de velas,
Nessa memória que contemplo e afago como fado,
Trouxe o olhar descontente e vago
Na parede de relógio
De te sentir na ausência de ambição,
Ainda não ouço o murm
úrio destroçado
De real e ficção descrente no futuro de cordel
Embaciado por tumultos.

Grito

Resido no instante,
No assoprar de letras como uma viagem ao limite
Do belo ser uma folha de raiva,
A alvorada em que estendo os braços
E lanço o lamento de papel químico num fruto campestre,
Este começo é um desdizer como raio de sol
E tudo é um campo de jasmim nas bocas dos silêncios,
Nos teatros de figuração de textos,
Desespero de uma alma que requebra o incêndio de injustiça ser fome
E um palco é a plateia de cadeiras
Na imagética de nomes que são sentidos nos desaires de cada um,
Encerrarei o ultimo acto de caixão
Nas caras infelizes de lágrimas serem risos que roem
O sentir que valeu a pena morrer e ser infantil e
Nos enigmas deturpados ter a solução desigual que talvez é incerteza
E no câmbio do sossego encerro a minha plenitude de ser o que sou
E não vacilar em renascer no que só eu me permito apreender
No que fui e não souberam compreender,
A justiça é uma derrota e vencido grito aleluias
No piano das ilusões que renascem no vento do grito de Deus.

Não Me Compreender

A arte de escape como furto 
Ou voo de mosquito na esplanada,
Orações e homilias e batinas de procissões,
Vi a poesia fluir num acenar à razão que morre sempre,
O conteúdo plástico nas antenas de suspeitar e faro, 
Sempre o faro nos narizes dos animais pressentindo perigo,
A emoção fria das imagens de odores de músculos que doem no ser alguém,
De ser algo que não se vê e a magia do corpo que retrai a alma
No vazio de angustia de história que repete
O teatro, a dança de momentos,
No infinito particular fiz uma chamada ao homem que tomava um café,
Delicadamente respondeu-me que silêncio é uma arritmia
E que oito horas de trabalho é a sua ciência,
Disse-lhe que a farmácia vende histórias de banda desenhada
E que eu significo mais que um quadrado,
Porque sei que o espelho é feito de olhos e pestanas que não sentem,
A arena é um espantalho defunto
E trago o meu semblante um pouco desiludido como a roupa de cama
Ou a colcha que não presta,
O colchão e nada aquece neste frio desiludido
Com tudo o que as horas dizem no significado de não me compreender.

Ternura de Milénio

A maneira de acenar instável,
O meu condão de virtual desígnio lúcido,
Ténue em ambição,
Despi o enredo de mil cores num quadrado de memórias,
Coração de máscaras e lamentos,
Momentos que ouço o fluir de gestos,
Sou eu que venho lembrar que já me basta a indiferença,
Mal-me-queres nas janelas como o pólen desta vida exausta,
O fim tem a graça de ausências,
O ditado de escola sei-o de cor na complacência de um beijo demorado,
Carpindo acasos e costurando feridas,
Ainda a graça talvez justifique o que esqueci,
O mundo é um sonho breve, sufocante,
Não entendo, por vezes, o que custa um momento de pele,
Ternura de milénio,
A história esquece, arrefece,
Nem um café lembra a paixão de Cristo,
Ou a inocência de fome das crianças que morrem.

Manhã Clara de Sentir

Trôpego, um pouco inconsciente, inconstante,
No ar um arrepio de chuva e um silêncio de escuro,
Caminho em movimentos estáticos, automático,
No pensamento fértil,
Noto que ainda não há o senhor que vende castanhas,
Sentir o cheiro tranquilizar-me-ia neste anonimato,
Em vésperas de sorrir desfraldo as emoções no corpo de instantes
Como é um voo de gaivota num leve ruborescer,
Nada é inquieto, apenas instável no momento de tocar o ambiente
Que ergue o som de relógio,
Tique-taque num ápice,
É Natal como senti o nervosismo de época de exames,
Nada me é indiferente e nada sinto,
Riso húmido e cores garridas que desmaiam,
Nocturno ou momentâneo, calculista, simbiótico,
O rapaz dos problemas e incógnitas,
São apenas sombras como corpos chineses
Na manhã clara de sentir.

Cicatrizes e Luzes

Ia a nuvem alta no corpo de nós
E, serenamente, um Sol de espelhos ateou uma chama de embaraços 
Como um alfabeto de mágoas e corpo de sons desonestos,
Um virtual velhinho e um copo de vinho,
Uma vela de barco que arrasto em sonhos
Na podridão de madrugadas imateriais e oblíquas sem nome,
Não desespero nem atiço o óbvio nem conto distracções de pianos toscos,
Hoje transmito tunas de fatos negros e folclores de olhos,
A janela é um objecto que faz caricaturas,
No processo de sentir desejo encontrei um cego que pedia imagens,
A noite está iluminada de sabores e transfusões,
Encontros no desalinhamento de desaire,
Há uma escada de cemitério,
Um rosto impaciente por nada,
Por depósito de ritmos e um arame de farpas
No momento que repouso,
No dia que demora,
As referências de cicatrizes e luzes.

Tímida Imagem de Inverno

Neste rigor de economia de processo,
A tímida imagem de Inverno é um momento que acrescento
Ao tempo nulo emparedado num azulejo,
A angústia tem sabor de derrota
E um certo desnorte,
Onde nem física ou sombra,
Nem sonhos que dormem
Alegram paisagens,
Onde a segura inovação de ter interrogado espíritos
Ao matraquear de conflitos de dor
Se eleva a esperança,
Um enfeite de Natal é um dom,
A fatia de bolo num café com cânticos de Natal
É a montra de escutar um gesto,
A foice da aragem,
O dragão de caligrafia de óculos
Na noite derrotada.

Apenas Simples

Empresto a minha morada de utopia,
A vaga manhã de corpo de giesta,
Calma de dedos que cortam tempo,
A rotina de artimanha como um perdão
Ou tosse de espirro, lata de conserva,
É um final lento este despir de mágoas,
Um cavalo de pau que recordo tão infantil e tosco,
Não abro os olhos na penumbra de espelhos,
Evito sentir,
Tanto dizer como locomotiva de acidente
Desenhado no peito de circunstância,
A morte caminha, lentamente,
Conheço o seu arfar,
A indistinta face dos desejos,
Ambição de presságio,
Tudo é um motivo como sentir que não sente,
Acordo mais sentidos
Na penumbra de versos tontos, imagéticos,
O que se apropria é o momento,
A breve leitura de olhos que vêem o fluir de impaciências,
O trabalho árduo de papel e tinta,
A borracha virtual,
A memória branda de procurar a cor de fundo,
O barco de sonho que trouxe neste processo de fio de prumo
Que acrescenta qualquer alma,
Veste amanhãs de luta e envolve
A chama sempre breve de ser tudo apenas simples.

Sinónimo de Eu

Desenhos de cor, névoa de corpos semi-nus,
A embriagues de sentir, calmo e somente só,
A mortalha de fogo suicida e torpe, convalescente,
Poderia ter sido vida o que morrendo sou,
A majestosa mansidão de te dizer como não me conheço,
Alergias de exames e abelhas de áspera madrugada,
Entrego o gesto, o processo,
Faz de conta como bicho ou fisga de madeira em fábula azul,
Já a mágoa, a tenacidade como degredo,
As silabas não sorriem,
A matemática é um deserto de fantoches como doentes,
O gerúndio dos números é uma equação
E o sinónimo de eu é um.

Alma Sã

Não pretendo sintonizar ou verbalizar ou nomear, dizer sim,
Acho a vida pequena no seu estranho mundo de significação,
A aparência desiludida é a metáfora de muros
E neste conflito de luz, sombra, real e submundo
Abandono a palavra tu como inconsciente de ser outro,
No relógio intelectual de ainda ser luz o piano ilumina o céu
Com folhas de perfume como um inebriante rosto cansado,
A arritmia da cidade é um pulmão roxo
E o corpo já cambaleia,
As janelas impacientes são uma chaminé colorida de morcegos,
Dançam em segundos e segundos em horas,
Traduzir os dicionários da demência não faz urticaria
E velejando no sentir, no dormir,
No segundo que toquei uma vértebra,
O rádio dizia umas coisas banais,
De certo modo a esquizofrenia só faz sentido na alma sã do poeta.

Sopa de Letras

A batalha, sempre vem batalhar o que nos resta,
Mãos de sangue, 
Extrema inglória,
Neste ler que decifro como manhã de rigor,
A procura de sinalética de mordaz sentir,
Sei ler, sim,
Como sopa de letras num qualquer lugarejo da minha memória,
Ténue a minha sorte de lembrar e quase morrer quando sinto que choro,
Quando me afogo,
Quando de mim me lembro,
João, o passado é tão longe como teu nome,
Fugaz o que arde dentro de ti,
No filme de cama solitária,
Um teclar decadente de lembrar-me com sete anos
Comendo a sopa de letras,
A aletria como sobremesa
E sentir que seria sempre assim.

Amanhecer de Alma

Olhos agitam olhos como ramos e tecidos,
Vento das estações de piano distante,
A ideia, um refrão, um enfeite,
Mistérios como prendas saturadas,
Instantes decadentes,
A margem de querer acenar a um veleiro,
Tenho óculos em demasia e um ditado que é sermão,
Tentei o oculto imaginando o céu,
Tentei amar para além do real,
A sombra de impaciência num copo de vinho
Derramado num golpe de choro
E numa lágrima triste a onda de maré de me dar
Como te pertenço até ao inconsciente de soluço
Já queimado, já gasto,
Lento e concreto,
Distante e nulo como uma mensagem de nuvem
Que trás o mundo na maneira de sorrir ao sempre
Novo amanhecer de alma.

Nada Ambicionar

A coragem de leão ou soldado,
A vontade ou desejo amargurados
E cravo que perde e pende numa vogal,
Numa conta de rosário como abecedário de ilusões.
Repetir histórias como viagem ao globo ocular de infância
E nesta demanda perder certezas,
Porque a memória é indefinida,
Desmentida ou refutada,
Ofuscado ou aprimorada,
Leves toques de maquilhagem nos rostos,
Mulheres que esperam cansadas,
Esperam por ser dia, por ser céu,
Ser novamente cheiro que vagueia
Que pressente como comédia ou diário
Decorados no peito,
No faz de conta trágico e animalesco de todos os dias
Ou a brisa embriagada de nada ambicionar.