sábado, 31 de outubro de 2015

Ao Despertar

Ao despertar como mago de sombras nulo e gasto
Penso no sonho de momentos que ainda recordo,
O relógio de meia estação pregado em alguma parede
Como respiro o vento embriagado,
Ausente de rotinas,
Apenas cabeça que aguenta
Mais corpo,
Resisto no som de vitória,
Hoje trago um cravo na lapela,
Eu não respondo o perfume e as palavras de idiotia
Como uma gaivota abrigada de ser dia,
Sorriso no frigorifrico,
Todos os dias riso,
Já não se apaga a raiz, um gomo de raiva
Como tradução da fronte de luz,
Na jangada de pele
E no erro tantas vezes distante de querer como oculto.

Metáfora de Príncipe

No café matinal uma cidade nasce, no peito, atrás do monte,
Levemente, não deixando rasto na voz de todos os dias
Que muda consoantes e vogais de calendário,
O mapa imaginado de ser mais um dia,
No atropelo de multidão um sermão de peixes
E um boneco nas mãos cansadas de erguer o rosto,
Desfiz a imagem no espelho de progresso
De acrescentar mais rugas no semblante que acha graça
Ao dia monótono de mais
Uma peça de orvalho no fundo da alma
Querendo chorar o tempo
Decifrar o papiro de atualidades,
Degredo e justiça de finalidade de coçar os olhos ainda doloridos da manhã cor pálida.
No tempo desabrigado de vento o Sol ainda
Papagueia como um rebuçado na boca das crianças com mimo,
Todos os dias é a metáfora de príncipe
Olhando o nada, olhando o sonho, olhando o nada que me resta
Nesta voz cansada.

A Cor do Tato

A imensa luz que resta é uma vela num quarto 
Que olha a velhice, rugas e choro,
Não sobeja nada,
Nem alegria, nem ilusões,
Deserto de alma que respira um lamento,
Uma cerveja que fica num copo abandonado,
Mexo o espelho, talvez mais uma imagem,
Um exame, uma inspiração,
O mocho do rosto, o corpo de sala,
Ainda não eu, ainda a pele,
Desperdício que embala um soneto de Camões
Na beira de uma estrada,
A rir-se de si mesmo ao sentir-se infantil
No que não sou, no vicio de calar
A imensa voz de canto de choro,
Pranto despido de incoerência,
Palavras de romantismo sem cupido, sem flechas,
A dormirem em silêncio
Porque incomprensíveis a todos
Na maneira de ser como verso de flor de mato
Que sem olfato tateia a cor sempre sem amor.

Choro Cego de Futuro

Por entre o meu cansaço, por entre o meu caminho
Há sonho de maresia, há memória sem fim,
Na face do momento agito sinais de fim
Na esteira de regressar ao inicio,
De me conhecer,
Que constante loucura me pedem,
Meu padecer que arrasto como franja de cabelo
Como ser cedo para ser outro novamente,
No que não posso ser, pois estou certo que não serei capaz
De virar a página triste e maldita,
A vida sadia,
Ser eu custa como uma imagem de riso
Ou a solidão de noites,
Na verdade construída de embaraço,
No risco que traço em corpos azuis de hoje,
Fecho a minha cara de granizo,
Unidade somente minha,
Que há pescadores tentando resgatar a razão de rosto
Que não respira
E como e rezo e durmo,
E sobrevivo sempre no que não sou ou sei reinventar
Em assunto que resta e custa digerir como uma sandes de atum
Ou um cigarro depois de um café branco
Destilado na bebedeira de dor de cabeça
Que é todos os dias,
Custa-me ver letras,
Custa a perfeição,
Quando vem outro dia,
Quando me abandonam como animal doente
Numa qualquer estrada,
O meu ir e vir
A inocência dos astros,
A letra senil que ouve o choro cego de futuro.

Embriaguês

Em que pensarei agora no momento vago,
Na iluminação de trazer começo ao verso
Que, sonâmbulo, acorda ideias ainda dormentes,
Ainda não caçam o acontecer na imagem
Do vago acordar,
Como estrela que se olha na imensa noite
Os olhos são um esvoaçar
De mágoa como cinema de escuro final,
Sem happy ending,
Nada que escuta, nada que semeie amor,
Apenas a incerteza de melodia,
Talvez faça um pacto, talvez melindre o jogo de peão,
O jogo de faz de conta
Como artimanha de idiotia,
Enfim, lavam-se tintas e corpos
Receoso no sempre longínquo sonho
Que me circunscrevo,
De ilusões aqueço um eterno bocejo
No serenar de mágoa que aceita tudo
Porque o engano é plano,
O silêncio escava segredos
Na sentença de cabeça que ri
Ao mudo espanto
De acender a luz ao verso de ser alegria
O momento oportuno de sentir que
Vale a pena sentir-me só no meu mundo de contrastes,
Da ciência de embaraço,
No jogo de cabra-cega que rói a convalescença,
De acabar com o ser pequeno,
No ser que nasce todos os segundos
Na nossa emoção de olhar o porto de partida no destino
Que chega e vai como pássaro infinito
Do mundo que não alcanço na embriaguez de uma lágrima triste.

Imensidão de Ser Só

Sem um indicador que indique o caminho certo,
Um todo que respiro em vão,
Apenas cultivando costuras e remendos de ócio,
Tudo não chega ser eu,
Aprendi a não ser inteiro
Na imensidão de ser só,
Isolado de dor e perdão,
Sempre somente o processo de idiotia,
Sorrio, sim o sorriso lava a cara que chora,
Não entendo a maneira do destino que me espanca em dor,
Ambiguidades no chá, no café,
No dia igual, na folha de jornal,
Sim vivo o cinema de sentir a injustiça
E não tenho horas nem espaço,
Caminho em delírio, hesitante,
O tempo de rir e levantar-me da personagem irreal que
Me auxilia na queda de ser eu que choro
A emoção de não ser quem eu quero ser.

Livro dos Dias

O capítulo de mágoa no livro dos dias,
A encenação de leve rubor de ossos
Acordando o mecanismo de locomoção de vida lenta,
É estática e sem sentido
Na boca de silêncio e paz,
Ouve o progresso no ouvido de ausência
Do real frívolo de sempre,
O monótono labirinto de alma
Que rasga imaginação colorida de lápis de cera
Nos dedos da ansiedade de crescer até ser noite,
Sou irreal, não alcanço arestas,
As teias de rostos de sons oblíquos que
Faz a cabeça bater sincronizada em utensílios
E olfacto de rasto de me perder
Em bonecos andarilhos que mastigam as palavras
Para dentro, para fora
Até ser outro sentido.

Café de Soluço

Como embriagada é a vida em lenta agonia,
A placidez de momentos como náufrago, como barco ou cruz,
Os nós demorados de ninguém e a certeza de somente palidez ou ramos,
Agita noite a imagem de vento,
A manhã incolor que desfolho o acordar,
A semente e a súplica,
A morada, a estrada,
Estaticamente o rugido de uma mão,
Cegos e ciganos e crianças,
Uma escola, um prédio,
O sonho começa na cidade
Resmunga os dias,
O céu espera por eternidade,
Desliza a palavra no café de soluço
E uma conta faz uma tapeçaria no momento de dizer até sempre
Como antigamente se escavassem detritos,
Como se apagasse a luz dos cegos
E se ungisse de sono
O leito cor de rosa de tigres de savana.

Tato Marginal

Não me vejo, não reconheço ao ver
A cara, o contorno de papiro,
A leve sobrancelha rodeando a cavidade de globo ocular,
A boca pálida, um soluço,
Uma vaga imagem de cor que rodeia a sala como sombra
Como ideia que insisto e nula por não ser real,
Ergo a luz e uma lua de pastel cinzelada de brilhantes,
Corpo inerte quando me deito extasiado,
Verso de madrugada, do regresso e de progresso,
Enredo de praça de hoje ser um dizer que não interessa,
Mais folhas e papéis que risco com cruzes como dias prisioneiros de vida,
Uma sopa de fome que sacio como palavra de rosto
E um carrossel de filmes idiotas
No silêncio de ócio, de ódio,
De palavras negras e negação de palavras que não se lêem,
São machucadas e raspadas como manhã, como Verão,
Nisto de inútil que são palavras,
A arte palavra que sai da boca e desce no som de palavra
Até ser ouvida na orelha distante,
O som é significado e transformado, centrifugado em resposta de palavras como um processo
De comunicação como nariz que cheira
Ou mão que aperta uma mão sentindo o tato marginal.

Maquinalmente

Em sonhos morri parado e quieto,
Ninguém que sou distante,
Os olhos fechados, as mão em cruz no desejo,
Este eu navega em sombras e 
Guerreiro de alma que cala a morte,
Acorda de cabeça em punho na existência,
Trouxe-me tão lento e enraivecido por pensar
Nisto de morrer há décadas dentro de mim,
Em sonhos doloridos e apagados,
Todos os dias novo rosto e desconheço-me
Ao som de pensamento azul que se dilui ao vento pardo da manhã,
Ser dia de existir e sobreviver em meus ombros desníveis de soluços
E rugidos de ruminar quando sonho um sonho morre atrás de mim
E renasço em vida de sonho que uso num olhar que permanece
Como um livro de horas,
Quando é dia de rir estremeço à luz de Sol,
É sempre dia no oceano de trompete
Que ouço maquinalmente todo os dias em que sonhos embriagados
Adormecem a meu lado.

Limite Inventado de Estátuas

Neste oceano, sons ocos de ondas
Em praias, areias,
Somos um homem, uma criança
Dispersas como vento dentro de nós,
O assunto ondeia como labirinto,
A alma espreita, assustada,
Por dia final,
A inauguração de uma lápide da memória,
Os ossos, o crânio
Ainda demoram no corpo
Lento de fugir para onde o sonho dorme,
Em desenhos de parede,
Num berlinde, no fundo do tempo
Onde a máscara de lua emigra no espaço
De ser eternidade
Até ao limite inventado de estátuas.

Sem Marcas

Que tem este jeito de nada ter senão a pergunta
Se terei algo meu,
Nada tenho senão um gesto,
Este ódio despenteado, este modo embaraçado
De perseguir-me à exaustão
Como fantasma de ópera
Numa redoma de vidro,
Sei existir e persisto em não sair de ambição apenas,
Sou o indizivel de mim mesmo como um carpir de olhos
Na esteira de adormecer serenamente como pomba
Ou entoação de grito disforme de socorro,
Sei a palavra que desidrata,
Amar como nada e papéis
Sobretudo os papéis e a voz zonza, estridente,
O carro passa longamente
E um disparate que ri no espelho das imagens,
Cimento em camadas,
A altura de não alcançar o movimento de cair
E geralmente não ser idade, não ser som
Na maior parte do tempo que escorre impaciências
De cópia como cábulas destino de futuro
Que desaparece sem marcas.

Asa de Sonho Diluído

Hoje deriva o nada,
Fogo de pardais e um lenço,
Amanhã a gaivota prende a asa no sonho diluído,
Desisto da calma em rostos de ir dentro de mim,
Regresso a um torso, uma vaga retumbância,
Um acorde de náufrago de cetim marinho e ténue,
Ainda existo nas letras como um ninho
E um caminho que empurra a minha força que resiste
Em tempos de costuras e medicamentos
Como um pêssego que trouxe no bolso,
A merenda num dia de Sol,
Calmo o olfato que respira a maré que incomoda,
Acaricio o rosto de fim de viagem,
Tantas feridas que não sinto,
Tanta palidez no toque,
Que frio demente isto que sinto.

Praia e Mundo

Infeliz desilusão convalescente,
Nasce o grito na face,
Em ondas desiguais, campos, imagens de frio,
O riso é pálido e sôfrego,
Mastigo vogais, sofro o álcool destilado numa lágrima,
A janela desunida é um animal de raiva
Nesta tarde que suspira letras e cores
Que são um abecedário de crianças de óculos
Resmungando a vida deitada,
Subi ao conceito que cai pela montanha
No precipício de nuvem de almas,
Sempre a melancolia que recordo
Como este encolher de ombros,
Nesta paz de minutos morna e sufocante
De erguer o verso que como alfaiate
Costurando impaciências
De corpos estrelas
E corpos demorados
Com pedras que andam como castelo construído
Na minha mente que serena
Ao vento de imaginação num enredo
De praia e mundo.

Palavra Passe

A casa move-se como um circuito,
A casa tem árvores e um ramo de jasmim,
Em fronteiras de morte o objeto labareda
Acena como esquece cinza
Que afaga o chão de mar,
Acalma espírito, ainda mar,
Ainda me afogo no vento,
Há transtorno em cavar o assunto, escasseia no arroz
De refeição da casa,
Arranho a asa convalescente num arrepio,
Tanto e nada como olhos pintados,
Emigro em momentos de estar em todo o lado,
A casa mexe-se no tato rugoso da parede,
A rapariga toca na porta da morada a seguir ao rosto
Derrotado,
Num pano, num dedo,
Um germe de horror na porta, na janela,
Na palavra passe do encenador da casa
Faz silêncio.

Sol Escuro do Dia

Rosas como teias derivam das janelas
Beijando a manhã,
O mocho, o lírio e o corpo acordam
Trajando um passo apressado no jardim dos silêncios,
Tudo o que me rodeia
A teatralizar, esculpindo o verso,
Letras de paz rompem no rosto como ouvidos em segundos de prece,
No jardim do momento em que se olha duas faces agonizando
No desejo, no deserto de si mesmos,
A pirâmide do asfalto ergue o sonho
Que insinua vento ao passar o húmido suspiro
De nada dizer como um segredo de livro exausto
Na cabeceira da cama que se arrasta na ambição de luz
E olhos que choram futuro,
Os pés são frios nos lençóis que exalam um perfume de alfazema,
São muitos desunidos ais,
São muitas as mágoas que me adormecem os sentidos
De Sol que não escurece o dia
Que como roda traz-me o sonho de ser noite
Tudo o que recordo.

Som Cálido

Meu corpo a três dimensões de planos lunares vigentes e ocidentes,
Intempestivos no acaso do soco que me cala a voz,
Tenho o incidente de bater na porta gasto de subir escadas eternas em pedaços 
Como esta nuvem que nada em céu,
Nada o pente e uma navalha no gesto,
Deriva a madeira do barco no macio do chão
E os macacos deliram nas jaulas abertas ao ar comprimido
Do soalho que estala da casa da multidão cega de olhos nus,
Ainda o mundo no respirar frio do deslizar de rosto,
No fogo embaciado de si mesmo
Ao pranto de aias de mosteiros e motins de presos como outra era
De dormir assuntos de aulas gastas,
A maçã derrete a árvore na saliência projetada de sombra
Que arrefece o exame preso no tempo de lembrar tudo o que esqueço
Ao recordar isto como se sorrisse observando o noturno pássaro
Que dança a chuva de incoerência
E um filme na órbita do punhal
Enterrado ao âmago de palavra eficaz e precisa de acertar o peito que mexe
No cálido voo de máquina de mosquito que esvoaçando enche o rio de sonho e sabor de medo
Que estuda o silêncio escondido por detrás da cabeça que repete o braço de mimetismo
Aberto à luz de sempre.

Xaile

Faz-me falta como sentisse que não me faz falta
Esta imagem decadente,
Este estado inquieto,
A suave distância de presságio como uma carta
Ou uma lua de risos em tardes de cores afuniladas em verso,
A maneira secreta de ouvir a imagem parada do futuro
Que em nós se mexe
Como voo de águia nos penhascos de alma
No irreal, no texto semi-frio,
Na nota de pena suicida,
Em vagões de rodas de mar azul pálido,
Refrescos em vãos de escada
A sorver os assuntos.
É um caminho demente em torno da luz
Que respira o suor,
O corpo, o umbigo,
Esta esperança de olhos turvos,
A madrugada de xaile
Que dança nas mulheres acesas ao áspero grito de multidão que se perde.

Esperar a Madrugada

Adeus, despeço o sentido de adeus,
Entrego-me emoção nua de desejo de fim,
No cinzento de moradia, na planta, na ilusão,
Ainda a incompreensão, sei de tudo o que me resta,
Não, ainda falta a luz aumentando o pensamento,
Até quando o sonho que não alcanço
E bêbado de faces e dança e musica
E actores e desenraizamento
E soluços e dores,
Tanto o que carrego quando olho no céu
A leitura de fechar os olhos e parar,
Quero o preciso, o atual, o clean,
A magia falece o sonho de mais do mesmo
De novo e entretanto espero livros,
Espero a madrugada,
O medicamento da alma ressuscita o crente
E eu desmaio em ondas que afogam a certeza
De não ter sido na vida verdadeiramente eu.

Perfeição Fria e Gasta

O vazio da imensidão como nada 
Que respira no diverso de cinco dedos,
As chagas, o nariz calvo, 
A manhã de luz que chove na palavra cenário de luta,
Ri-me de ti como pressentimento, como sábio, 
Dolorido em versos delirantes na nuvem que ondeia 

Aparentemente como mago,
A nota carmesim na boca como o cheiro de emprestar o céu nos bolsos de orvalho,
Arranha a cama, tudo nosso verso,
Assim que respiro o concreto de ser,
O cimento no sangue rente à palavra de medo,
Falo baixo como se absorvesse as silabas,
Ainda o ritmo da consoante de outrora que esburaca o nervo,
Somente eu irreal e frenético como manto, como mente,
As marés, os óculos junto do nariz,
A frase constrói o barco,
Assimétrico corpo,
A perfeição é um momento frio e gasto.

Um Século

É lento um século,
Passos de dor, solstício de vento,
Alegoria fantasma em dia cinzento
A letra de rosto carpindo um eterno adeus,
Demoro no gesto, é dura a imagem de céu
Na ambição de aguentar o nada de si mesmo
Que por mim deixa de existir
Como tempo fugisse de espaço
De buscar a frequência de ler
O desengano de apagamento,
A leitura pobre como silêncio,
A estátua mímica de emoções
Como fio de prumo, novelo de existir
Em verbos de raiz de sono
Sem estilo de corpo,
Apenas olhar isto que foge de assunto
No barco que se afasta de dentro de onda
Que rema impaciências
No vão tempo fugitivo que não consigo alcançar.

Desabrigado

Respondo a emoção na aparência,
A centésima vez na miragem, a consciência,
Nada me trás o meu perfil,
Nada é igual ou talvez, não me lembro de mim,
Nunca me vi,
Um tiro de nós,
Irritado por não trazer a surpresa,
Se canto ou senão,
Tenho-me em vida exausto,
No cume maior que me condensa,
A roupa nua em gritos,
Tatuagem que rompe o frio,
Mais de mim se não me sei igual,
Já papel e desenho,
A luxuria de imaginar,
A sofreguidão de rir como completos
De cidade e e tempestade
E sempre ilusão de trazer esta melancolia
Enjeitada neste corpo brevemente desabrigado.

Coisas da Alma

Entristece a árvore e o tojo campestre,
A súplica de beijos, a união e a negação
Como se fosse corriqueira a vida que sonhasse
Na manhã que nasci,
No telescópio de imagem residual de pássaro
Como se céu contivesse um aquário na água vazia de som
A imensa perda de trunfos de alegorias
Vazias de fungos que enchem estes olhos que por vezes dormem no mistério
Intergaláctico que não entendem
No fundo do dedo que acena moral
De anel e fato de gala e bengala e laços e confétis
E toda a tralha que construímos em pó de casa numa década de silêncio,
No muro que cai de tons ambíguos e inócuos
De miséria e detrito de palavras que constroem
E destroem a imaginação de tudo o que cabe numa boca
Percorrendo as artérias e células
E remédios e momentos que ouvimos pianos em grafonolas
No entrudo e sapatos lentos
De pisar sempre estes assuntos
Que carregamos nos pés toda a vida sem serenar
Estas coisas da alma.

Noite, Sonho, Futilidade

Sempre as palavras e atos como mágoas
Como não digo os sentimentos de abeirar-me junto de ti e dar-te
Um beijo como sinto este ardor dentro do peito
Ao ferir-me nestes anos como arma,
Como uma roleta russa na face do desespero de
Ainda não me libertar da tua palidez e dos conselhos
Que resmungo nas manhãs de frio de afeto
Sempre eu que não sei o que sou e o que tenho não me tendo,
Por vezes não, assim perco-me
E relembro-te sempre neste abraço como se as
Minhas mãos fossem garras
E te acenassem pela vida fora dentro de mim
Na mais profunda emoção de sorrir-te ao de leve
Como memória imaterial de tudo ser breve,
Um pouco de nada de ser isso que confundo
Quando a noite ainda respira o sonho de futilidade
De ser apenas luz.

Impaciência

O lamento é uma fuga na dispersão,
Quando aponto uma imagem o som cai,
Lentamente, no papel, no silêncio, num ai,
Num ápice, nuvem, hálito,
Demora ainda o ser que recobra pedaços no chão de todos os dias,
Momentos e estátuas lisas,
Desmaios sem dor,
A máscara enigma no processo rosto
De cheirar o corpo espelho,
A visão de feixes lunares que luz enganos
Nas entrelinhas de céu
Desaparece na inocência de arrastar ainda colunas,
Ainda versos
Na sequência de resolução de palavras homens,
Palavras mulheres,
Ainda a sombra de um lápis sereno,
No registo de dar o nó
Ao volte-face, à imagerie,
Palavras que saltam no jogo de cidade
Incandescente de abrigo ao perpétuo nome que ri
A mística de gramática corpo de escultura como câmbio
De tortura e
Língua escura e dura no ato de falar o que sinto
E que resiste ao teste de compreender o vidro embaciado,
O relógio atrasado,
A cultura campo de conceitos e criticas alinhadas com o gracejo
Sempre a preceito no canto da boca
Que agita a fama e o duro golpe
Da fazenda do traje,
O sapato de vela e uma caravela no cinzento riscar de fósforo animal
De seta de vento no mar de impaciências.

Jardim de Pensamento

Esta dolência, este perecer,
Esta aspereza do momento, 
A leve curva de desaparecer,
A ambição de jurar o coração ao limite já vivo e morto e
Sentir que vale a pena o frenesim, o real ilusório,
Confrontos e moinhos de vento na minha cabeça ainda presente
Ao engano de anos de vida como ideia
De ser o meu sonho, a luz,
A fuga de mim nos dedos de glória
Na sede de imensidão,
A audácia de longo curso,
Lento e figurativo
Na ciência que sorri há décadas,
A mão recobra,
O instante saudável de encontrar o que busco ser afinal tudo
O que não decifro e tudo o que germina
Como jardim de pensamento
No verso imenso e delirante de saber me encontrar.

Sentido de Amar

O capítulo noite e luz na cabeceira da cama,
O pavio e o lume desembaraçado de gestos,
Ainda sagrado e profano na minha melancolia,
Aves monstras que ficam em terra
No desejo de voarem nos céus,
Trazer a esperança que morre todos os dia em peitos de dor,
A semente de ócio e baloiços de penugem de artimanhas
Como adolescentes que soluçam a vida de sempre,
O retrato amanhece, estou triste,
Lisboa é um naufrago distante,
Uma entidade que chora emoção,
Desisto no enredo,
As palavras brancas como casulos enigmáticos de cores sombrias
Nos ninhos descabelados,
Os estendais trazem corpos pendurados
Á luz semi-rígida de lembrar,
Encerro o passo cru,
A leve sombra, a faca, o mocho,
Tudo um processo lento de buscar o sentido de amar.

Imagens Despidas de Vento

A critica, a razão pura das coisas sensíveis,
Isto inumano, o que sinto,
Uma vaga impressão, um pensamento azul ao de leve,
É como uma impressão digital de mágoa,
Um texto de resgate sem sentido
Escrito há duzentos anos
Na praia com raios de Sol e
Lentamente o corpo acorda a solidão preguiça
Da almofada desunida da cama,
O livro paciência e o riso de silêncio,
Ainda procurando afetos em esquinas que rosnam a manhã
Nos corpos de trabalho,
No alimento, na recordação de ontem,
A perfeição construída no desenho de parede,
O deixar ir, o encontrão,
Tosco e mendigo no que choro
Ainda dói, ainda,
Nada é inteiro, nada é completo,
As palavras têm antenas e morrem,
As palavras fogem nas minhas mãos de madrugada,
Mistérios de presságios e
A luz que resta é imaginação que cai em imagens despidas de vento.

Não Tenho Tempo

Paisagens inacabadas, paisagens de dor,
A montanha de imaginar, quantos tormentos,
Esfera armilar, sobretudo um verso puro que rompe o espelho,
Esta vaga memória, a aventura só agora começa,
Com pecados e retalhos de mochos e ervas do chão,
Passos serenos no cenário de choro,
A humildade fica-me bem,
Construo a cor já lenta e húmida
E sou macio como espuma de veneno,
A luz é uma ave cantando a glória de existir
A vitória de ritual,
Face e corpo e candura de mãos e jardins planos, mentais
Como um enredo cru, uma peça de carne
Na montra litoral do gesto torpe,
Ao fechar os olhos o quarto é um beijo,
Ao chegar a treva varro a luz nos sapatos de tom mascarado,
Ainda não concreto e residual,
Já não tenho tempo.

Todos os Dias

Ser poeta é ser ninguém,
Uma desilusão, uma tarde de musgo,
A gente mexe um segundo, uma segurança, um enredo que deslumbra sempre,
Trago o silêncio noturno na face de pedra,
Construir muros, estradas e moradias,
Pessoas azuis e ondas que respiram,
Nunca soube quem sou,
Atrás de luz, sigo em frente,
É longe, mãe,
É tão longe o que sinto,
No lago que me devora caí numa imagem de séculos de me perder,
Mãe, ainda preciso de ti,
Sempre cálculos,
Isto é muito e eu sou pouco,
Sou a madrugada que me engole inteiro,
Não alcanço o verso, amor desabrigado e lento,
Mãe, porque sou eu que desapareço todos os dias?

Talvez Ser

As pessoas é como uma chuva que passa, ao de leve,
Sentimentalmente, como se corpos físicos murmurassem um fim,
Em embaraços, em colapsos, em olhos metafísicos,
Vi um todo que geme,
A semente de ócio cresce nos bolsos, na impaciência, no cinema figurativo
De horas santas em que espreguiço o guizo lento de ouvir o perfeito nada
Oblíquo de deixar real e essencial passar
A vida num átomo que resiste,
Alquimia vermelha e tons quentes deslizantes,
Suaves ao tato de essência,
Tudo não dizendo palavras, pois as palavras são postais e caixas graníticas,
São um amigo de longe que nomeamos,
Acendemos cigarros, conspiramos nos endereços de nós mesmos,
Na manhã seguinte rimos em memórias,
Os rostos câmbios,
Despedem-se como máquina de encontrar tempo
De silêncio em prateleiras desfocadas e simétricas de assuntos
Que repetimos nas palavras chávena e bule,
Café açucarado como encontrar paz que respira a prisão morna
Ao sentir vibrações sufocantes de filme já rodado de não ter gracejo
Como fugindo de sintonias que não vale a pena,
Pois o registo é monótono
E ainda há lobos que me estudam o flanco
De ferir a carne até a pele resistir
No momento que escuta as portas de origem natural de ser quem somos
E ouvir o som de notas que escapam nos bolsos de quem observa o rapaz
De todos os dias ser tudo o que não sendo deseja
A verdade e o comunismo da utópica vontade de ser ele mesmo que não o sendo deseja que afinal fôssemos.

Centros Estáticos

Um nó de dedos na porta,
Penumbra, figura estátua,
Um fio de cimento, um lamento,
Pontes banhando o oceano, papéis, nuvens.
Faz três meses e um dia
Contando de trás para diante,
A canção de eternidade que regressa ao final de rumo,
Quando encosto o murmúrio nos lábios
Lançando jaulas de memórias presas em enredos,
Ainda labirintos
Como quando se penteia o cabelo de manhã,
Suavemente,
A ferida de sonhar nisto de desistir todos os dias,
O embaraço de solidão em abraço de não residência,
Não habitar o mistério, um caminho desbravado no instante de luz
Que ondeia, volátil
À noite clara dos milagres
Deriva de centros estáticos de cores.

Apenas Nada

Serei feliz, eterno, em segurança,
De tudo ser como uma árvore
Procurando as folhas, a aragem, a gentil sombra,
O sabor de fruta no olhar de feiticeiro,
A terra, o sal, a madeira,
Intensos os sentidos de carne pura,
Sorrio no escuro de beber a luz,
A fogueira consome o espírito em sangue
Como lua em trágico punhal
No centro de me perder como ode à maga loucura,
Terna imagem, o doce carmesim,
Vem trazer a esperança, balança de branco e negro,
A angústia cobre o tecido de cor,
O canto desce, ilhéu e monte,
Todo eu me curvo exausto em mito concreto e saudoso,
Ato de contrição em bebedeira, corpo que serena,
É longe e breve este pranto
É ópera e tango e pássaro de penas que voa feliz,
Afinal não há mundo, afinal não existo,
Apenas um laço, um cordão,
A árvore sou eu que aceno novo dia
Pleno de mim como se fosse palavra que cai e se levanta,
A face esculpida de mágoa de sorrir cinquenta vezes num segundo de apenas nada.

Rosto Desconhecido

Do amor que resiste, inalcançável, demorado, sim,
Faço uma prece, instantes como num sonho de maresia,
Porque não perfeitos,
A luz ainda rarefeita, inacabada como coração que suspira
Batendo no peito a emoção ausente, 
Uma dor existe como tecla de piano, irrita a pele por dentro do que sentimos,
Trás-me negro e vinho num aceno ao passado,
Trás-me numa bandeja o meu coração esfaqueado,
Ergo a taça de vidro do que sinto,
Entorno o verso,
A nódoa que estremece,
O vício arrasta o corpo desejo por deserto de almas vis que mergulham na areia
Dos enganos, perco miragens e idade,
Sento-me, residual nas palavras que assombro as palavras...
São tantas as nossas fases e queixumes que cegam hábitos,
A areia do poema cega,
Ando em volta como sem rumo,
Percorro-me no sentido de linhas de frases, de letras juntas de silêncios,
O mar é um ator que nos prende em oceano,
O mar foge, volta, transforma as causas e continua
Como se não fosse real,
Eu não me sei, perdido ainda, ainda ambíguo, respiro e demoro,
Só quando e porquê e como tudo não é  realmente o que gostaria que fosse,
A impressão estática de moldes do delírio,
A reação nunca é certa,
O amor experimenta, mas sem leis,
Nada cientifico como poesia, como sonho de Verão
Em que adormecemos todos os dias no rosto desconhecido.

Andaluz

Andaluz e como uma seda de Maio,
Embebido em noturno silêncio,
A imagem é frenética e chove dentro de si,
A cidade escuta os movimentos e o cancro de alcatrão emudece
A esfera de orvalho ainda perene,
Ainda imenso e perdido em múltiplo e oceano de mágoas
Como uma conquista num dia negro e sem bandeira,
Sem história, sem condão, sem cor,
Arrasto a feira e o elemento neutro, a manhã de medo,
O tocador de céu mudo e sem rosto,
É perentória a morte, o vão do caminho ainda trás luz
Quando mergulho em mocho o canto do pardal em ninho de avestruz,
Obtusa parede e rede como asfixia e um cano rachado
Ao som minimal de vizinho que anda numa madeira na sala,
No giz de quadro uma esperança de pulga e um exame inconsciente
Pois nada é certo no momento da razão que sufoca em temperatura
De música que acerta compasso em muros de dentes
Berrando o nada e o oscilante poder de nada no rosto de faculdade
De atchim e santinho e rebuçados peitorais
E uma aspirina que cura preconceitos e constipações
Mas que me preocupa deveras o sentido justo da palavra justiça e humildade
Ser uma peça de teatro ao contrário.

Deixar-me Ir

A razão crua, a emoção vazia como pedaço de vidro,
Veste negro o momento,
A cortina de pano esconde o engano de casa em ruínas,
Em passo derivado de andar em forma desnivelada, neste momento, por entre palavras
De língua saturada, a cordilheira, o céu,
Todo o mundo espera por algo,
Espero corpo que rodeia a memória, a infância,
Todas as idades de buscar-me intato,
Sempre o real que me escapa,
Há uma sereia que aponta a saída,
Um barco à deriva e um achamento
De livros encobertos de sábia memória, pó e olhos
E pouco mais faz sentido
No acidente, no momento presente,
Na lúcida e velha memória demente
Que de mentira envolve o rio
De ser eu apontando o segundo que espero, eterno, por instante,
Tanto faz sentir ou deixar-me ir.

Navio de Sonho

Estremece luz, os sentidos já dormentes
E um céu azulado dentro da janela,
É segredo e degredo, é um século, uma ambição, um momento,
O navio do sonho cansado de orlas marítimas 
Que desagua em ambientes e temperaturas
De me reconhecer ainda não só,
Acompanhado de sombra, a caminho nú,
Uma guitarra dedilhada no centro do nervo,
Fuga em sonata de nós que arrasto em verso distante como um chapéu,
Um silêncio ou um grito na margem da ilusão,
Pontes que arranham vazios de vento Norte,
Estremece o sentido, a figuração, um homem preto, um tostão,
O caminho tão longe, é próximo o que desconheço,
Talvez nem saiba nada, talvez terei de aprender a maga solidão
De tudo o que perco nos teus olhos de vaga fuga,
A imagem que responde, persegue a luz de alma,
Um cigarro, um mundo dói-me mesmo agora.

A Lágrima

Um poço, manhã alvoraçada no momento de alcançar algo no limite,
A imagem turva como um homem de silêncio coberto num manto de paisagem,
Os passos como nunca finda a eterna morada residual de passagem para uma lágrima
Que corre profunda na face,
A alcateia desunida, um cartão de memória ao inumano,
Mas o jogo nunca é igual no ápice de risco fundo que ondeia um corpo na manhã clara de grito
Que clama tudo o que morre, o vazio na voz, a cor da palavra,
O mundo desperta, há uma ambição nisto tudo
No deserto de mim inglória paz,
O cálculo e gramática de amor múltiplo de numero,
Quociente e resultado de banda desenhada
No riso que gasta o real triste e português,
O fado da guitarra e chinela e viela,
Na imensidão de olhos,
A recordação sempre de alecrim e frutos de bosque
Nesta vida de cansaço mudo, enredo fundo de nada.

Resistir

Esquece a história, a musica, a natureza,
Prende a vida, o amor em meu peito ansioso,
O verso maldito e tosco desprende a trova da cegueira,
Tentar, conseguir, subida marginal para cair
Tantas vezes até me encontrar em olhos que me lêem devagar,
A suave indiferença, o filme enrolado do meu mundo consciente
De sono e carros e espinhos,
A rosa murcha, o perfume irritado,
A ideia deitada no mudo gesto de sentir,
A cabeça ergue a janela quando espreita o menino que ri o mundo,
O menino ri muito para voltar a sonhar acordado em futuro,
Adormece a solidão, são horas de relógio,
É tarde para pensar, tudo frívolo na mensagem,
Ainda não surdo ao som, só ouço as consoantes da cara
Que respira o ar de chuva,
Sou lento, tragédia sem choro,
Talvez nadando em umbigo que prende
A vogal de espanto,
Talvez amanhã ou outro dia faça valer a pena o que ouço
Todos os dias, o gemido incolor de traição
Que afundo em coração que resiste.

O Espanto

O silêncio na pele, todos os dias, as plantas, o comum,
Encho o peito de leve esperança, golfadas de ar, 
Inútil paisagem de manto e pranto como me dispo de sons,
Cansado em desmaio, cansado de memórias, líquidas memórias
Que resmungam serenas trovas, madrugadas em dor que construo tal mão de criança,
Um baloiço e uma mosca, ciência urbana, a demanda em mim mesmo,
O vício e o corpo esmagado na penumbra, um sapato, uma cor espalhada na parede,
Um momento, preciso de luz, ainda só um segredo,
Trazer uma espiral de infância, passos de anos, no lado de me preencher,
A prenda ao segundo, maga como a língua que descubro dentro
De céus e flores enrugadas, perfumam este sentido gasto,
Esta dualidade, o duelo, o espanto.

A Margem das Ondas

É um fim imenso que tarda,
Um planalto, uma ave voa na tarde, desliza no ar,
Enternece o labirinto, mais do mesmo, intriga do espaço,
Uma menina imersa em solidão sonhando ventos, versos e embaraços,
O cabelo apanhado, uma triste menina, foge consigo mesma,
A melodia do acaso esvoaça, o ar embaciado de Verão
Como janelas soltas, perdidas em qualquer edifício de betão,
Não invento pardais nem queixumes,
Há um jogo dos corpos,
A maneira de sorrir, ténue e esparsa como uma vela acesa no acaso nu,
Escuro de sentir,
Arraiais de fogo, árvores concretas, matéria de luz,
O refresco da menina, o decote, o lamento de questionar
A altura do verso, a aguda margem das ondas.

Imaginar

A nota musical imita a rua distante e unida
Como se a nuvem e a multidão separassem a cor azul da rosa pálida,
No afago cor de sangue, na pedra semi nua,
Em lentos caminhos de heras e rios que cantam a imagem de lágrimas
A imperatriz tece a voz no processo reinante
De cair um gesto, uma incerteza, o fascinante desespero de rir ao minuto
Decidido no enredo de conversa rasteira como uma flor e um azedume,
Uma luz que interroga a luz de futuro no mar que decide
A passagem do tempo no labirinto da estação embotida na calma de acertar os olhos em relâmpagos
Que equacionam a forma matemática e geométrica de risco numa parede de hospital
Embriagado de lume e matéria de exames sempre vulgares
No ambicionante e desligado sonho,
Na cara neutra e sempre perfeita no momento de dizer azeite ou cão,
Contrariado no dia que segue em frente e liga o mundo na seta
Deslumbrada do humor que finjo, destino deserto,
A luta de acertar as letras como almofada
Que descanso o cabelo de forma a ser sempre dia mesmo de noite
Ser cansaço diurno que rompe o trejeito lunático de sempre imaginar.

Tudo é Real

O pobre coração cortado em ferida,
Atado sobre uma cruz jaz a sombra, a emoção de cordel,
A alegria de cantar bêbado a um Deus de memória
Que reencontro a cada esquina do passado que arde no pensamento,
A onda volteia como imagem sempre crua
Impressa em mão que escorre todos os dias e mais rosto de signo
Que lanço ao encontro e desencontro de algo que pressente
A mesma conduta, a mesma ação de papel,
És uma ficção de nariz, uma nódoa de giz,
Um filho de vento amolgado
A um sentimento que resiste ao amanhecer,
Há muito a conquista resiste, há uma década
Nasci e morri tanto e tão pouco
Como sempre na ignorância de um gesto inalcançável
E sempre atual de te dizer em segredo que a luz
É uma força que vence a dor no peito tão dentro de nós
Que um segundo faz a eterna glória de sentir que tudo é real
Quando acreditamos que tudo vale a pena.

Outro Lado do Espelho

Soluço e espanto , 
A pedra exata de existir,
Mudo e calmo como uma serenata de luz embaciada de teatro,
A fonte do medo dissipa a vontade do gesto embriagado, 
Em beirais de trigo amanheço, em sonhos desvaneço
E um arco de momento como um rosto que passa e sorri acende
A planície de acenos triviais, concordatos e plenos de
Sentimento, de fuligem, de ar rarefeito,
Neste banco sento-me e neste instante morro em fantasia
Porque nunca existo senão no que acontece no acentuar da exclamação
Do que sinto e não sinto,
A face mórbida encerra o ato de três pontos colado em palco
Na cena de sinais e leques como um objeto de estanho em qualquer
loja de ocasião,
O relógio, um compasso, um rato, uma espera,
A treva e a Primavera,
A outra picardia do verso em relevo
Na veia saliente
Que faz frio no outro lado do espelho.